segunda-feira, maio 09, 2016

MAIS DO QUE EU POSSA ME RECONHECER



O encontro de dois artistas é o mote de MAIS DO QUE EU POSSA ME RECONHECER (2015), segundo longa-metragem de Allan Ribeiro, e que é aparentemente mais simples em sua estrutura do que ESSE AMOR QUE NOS CONSOME (2012), seu trabalho anterior que conquistou muitos espectadores, misturando documentário e ficção de maneira muito sensível e delicada. Em comum também entre os dois filmes está uma residência.

No caso de MAIS DO QUE EU POSSA ME RECONHECER, somos apresentados à casa grande em que habita sozinho o artista plástico Darel Valença Lins, que pinta uns quadros bem interessantes e cheios de mistério, mas que o filme de Allan acaba tornando quase secundários, em comparação com os trabalhos em vídeo que o artista faz só para si mesmo, e, como ele próprio diz, tem como aspecto recorrente a solidão. Nesses pequenos filmes, em geral, vemos apenas os pés e/ou as mãos do próprio realizador, algumas vezes parecendo estar flutuando num abismo.

Uma vez que vamos acompanhando essa visita e esse interesse de Allan pelo trabalho e pela rotina de Darel, vamos percebendo o quão solitário de fato é estar naquele lugar. Além de a casa ser grande, Darel fala dos amigos que já morreram em uma fotografia, das festas que fez no passado naquela casa com familiares e amigos, e de como ele se contenta em acordar a cada dia para trabalhar em sua arte.

A arte dá sentido à vida, embora esse apego não se manifeste de maneira assim tão grande por parte de Darel, que após o instante em que filma Allan, enquanto Allan também o filma, logo no início, deleta o arquivo de vídeo. Mas talvez por, como o próprio Darel diz, não gostar de vídeos com pessoas falando, como os que Allan faz. Aliás, interessante como o artista plástico gosta de ficar comparando o seu trabalho com o do jovem realizador.

A junção dos vídeos de Darel com o filme de Allan acaba funcionando como um encontro inusitado de dois artistas de estilos e gerações bem distintas. Esse encontro dos dois, que nasce por meio do gosto pela imagem, vai se afinando, até parecer uma obra única e orgânica, ainda que continue sendo um objeto estranho. Mas, por isso mesmo, dotada de uma beleza toda especial.

MAIS DO QUE EU POSSA ME RECONHECER foi escolhido como o melhor filme pelo júri da crítica na Mostra de Cinema de Tiradentes de 2015 e teve exibição em Fortaleza na abertura da Mostra Outros Cinemas de 2016.

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