sábado, maio 14, 2016

ELES NÃO USAM BLACK-TIE



A primeira vez que vi ELES NÃO USAM BLACK-TIE (1981) não foi tão impactante. Vi na televisão e não me sensibilizei, não sei bem o motivo, com o drama daqueles personagens. Foi preciso vários anos, talvez mais de vinte, para que eu pudesse rever e ter a noção da grandeza desta obra de Leon Hirszman, que havia trabalhado antes no documentário ABC DA GREVE (1979/1990), a fim de entrar em contato com trabalhadores de fábricas de automóveis da região do ABC paulista que fizeram história com uma greve sem precedentes que mexeu com o país.

ELES NÃO USAM BLACK-TIE foi baseado na peça de cunho político-social escrita por Gianfrancesco Guarnieri na década de 1950. O ator e dramaturgo, no filme, aparece como o pai amoroso de uma família humilde. Mas a primeira cena do filme já chama a atenção pela sensibilidade com que Hirszman lida com o amor entre dois personagens mais jovens, Tião (Carlos Alberto Riccelli) e Maria (Bete Mendes).

A câmera os acompanha da saída do cinema até a ida, durante uma chuva forte, com uma parada na casa de Tião, quando vemos um belo trabalho de aproximação do rosto dos personagens e depois um uso lindo e simples do campo e contracampo, tudo muito bem delicado, já que se está lidando com uma situação complicada dos dois, o anúncio da gravidez de Maria para o namorado.

Aos poucos, o filme vai nos apresentando à família de Tião, e, mais à frente, um pouco também à família de Maria. Já nesse instante, a questão da greve e dos riscos que ela traz para os trabalhadores e suas famílias é posta em discussão. Otávio (Guarnieri) e sua esposa Romana (Fernanda Montenegro, gigante) demonstram sabedoria, mas também força, no que se refere a essa situação, que era bem mais grave naqueles anos de ditadura, com a polícia reprimindo e prendendo os manifestantes e os maiores agentes da greve.

Há uma cena, em particular, que é de partir o coração, que é quando Maria é atingida. O fato de ela estar grávida, informação apresentada com ênfase logo no primeiro momento do filme, já nos coloca numa situação de preocupação com os personagens. Essa cumplicidade não é muito fácil de conseguir em qualquer filme, e Hirszman deixar o espectador com o coração na mão, tal o grau de interesse e empatia que criamos com os personagens. Ele já havia feito uma obra de ficção grandiosa e que também dava força a uma personagem feminina, que é S. BERNARDO (1971), mas aqui o diretor parece mais livre das amarras da literatura e o resultado é mais realista, ainda que o rigor formal esteja lá, mas um pouco mais disfarçado.

O filme de Hirszman também lida com a questão da traição, ao abordar o fato de Tião furar a greve por acreditar que aquilo lhe beneficiará – ele vai precisar de dinheiro, se quiser casar e dar um pouco mais de conforto para sua mulher. O problema é que entra uma questão ética da classe trabalhadora que torna a sua decisão um ato egoísta tão feio que acaba funcionando como um meio de o personagem acabar sendo punido na história, em um momento especialmente doloroso. Aliás, como não chorar em diversas sequências do filme, hein? E que coisa linda que é o plano final.

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