quarta-feira, maio 04, 2016
O QUE EU FIZ PARA MERECER ISSO? (Une Heure de Tranquillité)
O cartaz francês de O QUE EU FIZ PARA MERECER ISSO? (2014) apresenta uma foto dos personagens do filme, com destaque para o protagonista Michel Leproux, vivido com graça por Christian Clavier. No cartaz há os dizeres: "Eu? Egoísta?". Mas o engraçado é que é muito fácil se colocar nos sapatos de Michel, principalmente se você gosta muito de alguma forma de arte e valoriza o que pessoas mais pragmáticas consideram de pouca importância.
Michel é um sujeito de meia-idade, fã de jazz, e que por acaso encontrou em uma loja um disco raro de um artista de que ele gosta muito. Tudo que ele queria era um momento de tranquilidade, para poder escutar com calma e com prazer aquela gema. No caminho, encontra um cliente chato e a lista de pessoas que o interrompem só aumenta em proporção geométrica assim que ele adentra o prédio onde mora. A própria mulher, vivida pela ainda bela Carole Bouquet (quem não lembra dela em ESSE OBSCURO OBJETO DO DESEJO, de Luis Buñuel?), traz um assunto delicado à tona. Que ele, claro, quer adiar em pelo menos uma hora.
A direção de O QUE EU FIZ PARA MERECER ISSO? é de Patrice Leconte, conhecido realizador que anos atrás chegou a ser considerado um dos expoentes do novo cinema francês, graças a filmes como UM HOMEM MEIO ESQUISITO (1989) e O MARIDO DA CABELEIREIRA (1990). Não que ele tenha deixado de fazer filmes, mas suas obras não têm chegado com frequência em nosso circuito. De todo modo, a distribuidora está de parabéns por trazer esta gostosa comédia.
E é curioso como há várias subtramas que também enriquecem o filme, embora a questão básica seja a principal, quase como numa obra de Buñuel, abordando a incapacidade ou impotência de um homem frente a uma situação – lembrando novamente de ESSE OBSCURO OBJETO DO DESEJO, mas também de O ANJO EXTERMINADOR.
Nas tais subtramas, temos a questão da infidelidade dele com a mulher e da mulher com relação a ele e outras coisas que vão se somando e personagens de apoio que se agigantam mesmo em papéis pequenos, como a almodovariana Rossy de Palma, no papel da empregada da casa; ou um dos bombeiros que está trabalhando na reforma de um quarto do apartamento; ou o vizinho chato que quer saber mais da vida do protagonista; ou o filho com quem ele não consegue ter uma sintonia.
É comédia leve, é filme pequeno, mas feita com esmero, e que se torna mais e mais interesssante à medida que a trama evolui, e também à medida que pensamos nele. Curiosamente, Leconte vem fazendo comédias como essas há bastante tempo, desde os anos 1970, na verdade. No entanto, o que acabou chegando ao nosso circuito foram seus dramas com um ar mais característico de filme de arte.
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