sábado, agosto 29, 2020

18 FILMES EM 18 ANOS

Aniversário de 18 anos deste blog. Como o número 18 é um número especial - o blog atingiu a maioridade -, achei que seria interessante fazer uma postagem diferente, ainda que não necessariamente inédita. O que temos aqui são trechos de escritos que fiz desde o primeiro ano do blog até o presente momento, ou seja, dos anos 2002-3 até 2020. Não são necessariamente os melhores filmes vistos nos referidos anos (há clássicos e revisões), nem mesmo os melhores textos, mas os filmes são todos muito queridos e acredito que selecionei partes das postagens que dizem bastante de mim - mais do que dos filmes, embora diga deles também. No fim, parece que foi bom o Diário de um Cinéfilo ter nascido sob um signo de terra.

LUCIA E O SEXO (Lucía y el Sexo)

Uma cena, entre várias, me chamou a atenção: Lucía está na ilha e a câmera desce e mostra uma tomada dela com a lua ao fundo (a lua é uma constante no filme e personagem da história). Sublime. LUCIA E O SEXO mexe com a cabeça, com o pau, com os poros e com o coração. É um turbilhão de sentimentos e sensações que intoxica o corpo e nos faz querer estar vivos. Quem ainda não viu, não deixe de ver por nada. A não ser que você conheça alguma Lucía pelo caminho. Aí tá perdoado. (Julio Medem, 2001).

OS PÁSSAROS (The Birds)

Lembro que quando eu ia A uma igreja evangélica na infância e adolescência, o pastor de vez em quando comentava que cada vez mais se via menos aves no céu. Que elas estavam se preparando para o dia da grande tribulação, quando o planeta iria viver os dias do Apocalipse. Aquilo, junto com a história do arrebatamento da igreja, me deixava aterrorizado. Nem sei se tem na Bíblia essa história dos pássaros surgirem pra atacar o homem, mas no filme de Hitchcock o tom apocalíptico não encontra concorrente à altura. (Alfred Hitchcock, 1963).

O HOMEM ELEFANTE (The Elephant Man)

Como não ficar comovido com a cena em que Merrick é levado para conhecer a esposa do personagem de Hopkins? Me emociono só de lembrar. Na minha vida, assisti poucos filmes assim tão cheios de humanidade quanto esse. O personagem de Hopkins é de uma extrema nobreza, principalmente quando questiona suas reais intenções em relação a Merrick. Seria ele igual ao homem que maltrava o pobre coitado, o exibindo como atração de circo, preso numa jaula? A diferença talvez estivesse na gentileza e nos bons tratos que ele prestava a um homem que nem mesmo dormir deitado podia. Vendo o filme, nos questionamos a respeito de nossos atos: o que faríamos se nos encontrássemos com alguém como Merrick? Provavelmente agiríamos com horror e repulsa. Infelizmente. (David Lynch, 1980).

A PALAVRA (Ordet)

Lembro que quando eu era criança, ao ouvir uma conversa entre meus pais, fiquei sabendo que meu pai estava muito doente. Não me lembro muito bem de que era, acho que era de pneumonia. Ele começou a fumar muito cedo, desde os nove anos, e foi o cigarro que o acabou matando. O fato é que eu fiquei preocupado com a doença de meu pai. Achava que ele ia morrer e fiz um acordo com Deus: pedi a Ele que curasse o meu pai em troca de uma gripe em mim mesmo. No dia seguinte, eu estava gripado. E perguntei à minha mãe sobre meu pai e ela falou que ele estava praticamente bom. Quando eu era criança, eu tinha mesmo fé. Hoje só sobrou o pessimismo e uma certa indiferença budista, que só tem servido para minimizar as frustrações. Hoje estou mais para Woody Allen que para Carl Dreyer. (Carl Th. Dreyer, 1955).



CÃO SEM DONO

Cheguei ao cinema não muito bem. Estava com um aperto no peito, uma espécie de aflição. Mas aos poucos fui me acalmando, esquecendo de mim e me concentrando no drama daqueles dois personagens: Ciro e Marcela. Se bem que é costume a gente se identificar com o protagonista, especialmente quando tem uma moça tão linda na jogada. A gente meio que sonha ter a mesma sorte que ele e acaba se colocando em seu lugar, gozando as alegrias e sofrendo as tristezas. E foi mais ou menos isso que aconteceu comigo. E o mais interessante de tudo é que CÃO SEM DONO foi realizado num registro quase bressoniano, sem uso de música para forçar a emoção e com cenas curtas e objetivas. Impressionante a sensibilidade com que Brant e seu parceiro, Renato Ciasca, juntam o texto e a interpretação dos atores para construir essa história de amor e de encontro com a vida, no que ela tem de melhor e de pior. (Beto Brant, 2007).

NA CIDADE DE SYLVIA (En la Ciudad de Sylvia)

Como se trata de um filme enigmático, ao final, restam mais perguntas do que respostas, o que eu acho ótimo, pois promove uma reflexão e abre um leque de opções para o espectador. Seria a memória que engana o rapaz ou estaria ele delirando? Será que se trata de um filme sobre a memória ou do quanto o amor por uma pessoa pode transcender o aspecto físico? Mas se o amor era tão grande assim, por que ele demorou tanto para voltar para a mesma cidade? Assim como na sequência da perseguição, vamos nos perdendo nesse labirinto da memória e do amor, dois temas muito caros a mim. O fato de as pessoas do filme não ganharem nomes só mostra o quanto NA CIDADE DE SYLVIA vai além do mundo material. Afinal, quem sabe o nome da própria alma? (José Luis Guerín, 2007).

JANELA INDISCRETA (Rear Window)

A sexualidade também está presente em momentos bem menos explícitos em JANELA INDISCRETA, em especial na cena do beijo de Grace Kelly. O famoso beijo-surpresa, cuja sequência em câmera lenta foi recuperada anos depois. Confesso que a primeira vez que vi a Grace Kelly neste filme, com os hormônios a mil da adolescência, digamos que o meu corpo reagiu instantaneamente. E ainda mexe comigo até hoje. Parece com um sonho. O personagem de Stewart está dormindo e quando acorda vê aquela deusa se aproximando dele. Ele, quase sem poder se esquivar, devido à sua condição de acidentado. Mas para que se esquivar? Aliás, como alguém não quer se casar com Grace Kelly? Talvez esse seja o maior absurdo do filme. (Alfred Hitchcock, 1954).

A MOSCA (The Fly)

O fato de Cronenberg lidar com detalhes horrendos do processo de transformação, como as unhas, os dentes e as orelhas caírem, além de toda aquela gosma que sai da boca quando Jeff Goldblum passa a se alimentar como uma mosca, tudo isso contribui para que o filme se torne bem mais do que um horror convencional. Trata-se de uma obra inédita e feita com seriedade. Havia uma preocupação do diretor para que o público não achasse que os resultados do filme fossem vistos como engraçados. Por isso ele teve que pegar pesado. O diretor gosta de dizer que o seu filme seria uma espécie de horror metafísico. Disse ele em entrevista contida no livro Cronenbeg on Cronenberg: "Me agrada fazer isso, mostrar o que o gênero pode fazer, especialmente numa época em que para a maior parte das pessoas filme de horror era SEXTA-FEIRA 13 ou HALLOWEEN." (David Cronenberg, 1986).







AS CANÇÕES

O fato de os entrevistados se sentarem no escuro ajuda bastante a criar um clima no qual eles fiquem mais à vontade para contar suas histórias e cantar as suas canções. Os momentos mais bonitos são aqueles de mulheres desprezadas pelos homens de suas vidas. Vê-las dizendo o quanto ainda amam esses homens, apesar de tudo o que passaram, são motivos suficientes para que lágrimas rolem. O senhor militar que pede para que seja chamado de comandante e que no passado agiu tantas vezes como um cafajeste e hoje tenta se redimir com a esposa idosa é outro momento muito bonito. Também destaco o sujeito que veio da favela, que escolheu "Que nega é essa?", do Jorge Ben-Jor, e que conta com muita desenvoltura a sua história com a mulher que ama. São histórias como a dele que ajudam a renovar a fé num relacionamento conjugal. (Eduardo Coutinho, 2011).

DELÍRIO DE LOUCURA (Bigger than Life)

Esse misto de melodrama familiar com filme de horror perpetrado por Ray ainda tem múltiplas possibilidades de visão. Segundo Geoff Andrew, o filme pode ser visto como uma história edipiana (o filho quer matar o pai), uma alegoria (quando Ed quer desafiar o poder de Deus), uma tragédia (Ed é um mortal que se vê como divino), um horror psicológico (Ed como uma monstruosidade) e como um melodrama (ao mostrar em tons carregados a doença de Ed e como ela afeta a família). (Nicholas Ray, 1956).

A VISITANTE FRANCESA (Da-reun Na-ra-e-seo)

Um modo de encarar essas diversas histórias é imaginá-las como pequenas variações e repetições de um universo paralelo (adoro a moça da pousada, que sempre empresta a Anne um guarda-chuva). No caso, um universo criado por um deus representado por uma jovem roteirista. Que, não por acaso, é abandonada ao final do filme. Uma espécie de narradora marginal. Isto é, coerente com personagens que se sentem estrangeiros em seu próprio país. (Hong Sang-soo, 2012).

SEXO, MENTIRAS E VIDEOTAPE (sex, lies and videotape)

Steven Soderbergh bem que poderia ter continuado a fazer filmes assim, intimistas, e ganhar um status mais forte de autor, como o diretor a quem ele homenageia, John Cassavetes. A falta de pressa na construção dos planos e dos diálogos lembra bastante o cinema do pai dos cineastas independentes americanos, embora já se perceba um minimalismo típico dos anos 1980. O que, de certa forma, ajuda bastante na fluidez do filme. Em nenhum momento os diálogos cansam. Ao contrário: o diretor até poderia estendê-los que seriam bem-vindos. Principalmente os momentos em que Ann e Cynthia se despem para a câmera de Graham. É fácil sentir o coração bater mais forte nesses momentos. Não apenas pelo fetiche de estar sendo filmado por um estranho, mas por envolver também outras emoções. (Steven Soderbergh, 1989).



A COLINA ESCARLATE (Crimson Peak)

A beleza das cenas sangrentas e violentas não encontra paralelos com o que é filmado no horror contemporâneo. Se quisermos estabelecer comparações nesse sentido teremos que buscar mesmo na Hammer, em Bava ou em Argento. E lembrando de Bava e de Argento, lembramos também da personagem de Jessica Chastain, a irmã fria e malévola que rouba a cena a cada instante em que aparece. Para muitos, Chastain faz uma composição exagerada; para outros, como eu, trata-se da melhor personagem do filme, a que mais se aproxima de um mal equiparado ao de bruxas de contos de fadas clássicos ou de filmes de horror góticos. Como não amar a sequência final de Chastain enfrentando a heroína num duelo mortal? (Guillermo del Toro, 2015).

OS AMANTES CRUCIFICADOS (Chikamatsu Monogatari)

E é então que o filme ganha contornos bem românticos, ou ultrarromânticos. A cena de Mohei e Osan no barco é uma das mais belas dos filmes de Mizoguchi. Porém, diferente de um contido SENHORITA OYU (1951), que traz a tragédia para um território fechado e opressivo para os personagens, OS AMANTES CRUCIFICADOS opta pela catarse, pelo sentimento de quase bem-estar com o fato de deixar os sentimentos aflorarem com força. Mesmo que isso custe a sua vida. É quase uma visão cristã, em que é necessário perder a vida para ganhar a alma. (Kenji Mizoguchi, 1954).

APESAR DA NOITE (Malgré la Nuit)

(...) falar da trama de APESAR DA NOITE talvez diminua um pouco a impressão da natureza do filme, de sua forma única, ainda que remeta às vezes a Lynch e a Claire Denis, de narrar, de compor com mistério os planos e as sequências. Trata-se também de um filme que nos faz sentir dor. Muitas vezes uma dor física mesmo pelos atores/personagens em circunstâncias desagradáveis. Inclusive, o filme de Grandrieux tem uma estreita relação com o gênero horror. E aqui temos um horror que passa longe de provocar uma sensação de segurança e bem-estar familiar como geralmente sentimos com o gênero. O que temos é cinema de gente grande. Poético, desesperador, apaixonado, assustador, intenso. (Philippe Grandrieux, 2015).

PARAÍSO PERDIDO

Como não gostar de um filme que já começa com uma bela interpretação de "Impossível acreditar que perdi você", de Márcio Greyck? E a música tem até mais espaço do que a fala ao longo da narrativa. A música, além de muito querida por todos os personagens, é parte integrante e fundamental para que a experiência de ver o filme seja arrebatadora, com vários momentos de arrepiar, em especial quem não tem preconceito com canções mais populares e mais carregadas nas emoções. (Monique Gardenberg, 2018).

LONGA JORNADA NOITE ADENTRO (Di Qiu Zui Hou De Ye Wan)

É como saber que se está em um sonho, mas que aquele espaço/tempo é o único possível para que o encontro daquele homem com a mulher de sua vida seja materializado. Embora a palavra matéria não seja exatamente algo que se possa pensar de uma obra tão pouco tangível. Lembrar do filme e dessas sensações que ele provoca é aumentar ainda mais o amor, o respeito e o fascínio por essa maravilha sombria e romântica, lindamente orquestrada por um cineasta que, em seu segundo longa-metragem, mostrou um virtuosismo impressionante. (Gan Bi, 2018).

UM LINDO DIA NA VIZINHANÇA (A Beautiful Day in the Neighborhood)

O papel de Mr. Rogers (e deste filme que procura se moldar aos seus ensinamentos, à sua sabedoria e até ao seu estilo à moda antiga) é nos tirar da carapaça dura de autoproteção que nos torna mais cínicos e distantes de quem fomos um dia na infância, como se estivéssemos em um consultório de psicanálise e precisássemos lidar com nosso lado mais fragilizado para nos tornarmos mais fortes. (Marielle Heller, 2019).

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