quinta-feira, janeiro 21, 2010

O APOCALIPSE DE UM CINEASTA (Hearts of Darkness: A Filmmaker's Apocalypse)























Impressionante registro de uma das mais turbulentas filmagens de todos os tempos, O APOCALIPSE DE UM CINEASTA (1991) já começa com uma declaração de Francis Ford Coppola anunciando seu filme para a imprensa: "Isto não é um filme...Isto é o Vietnã". A princípio, parece uma afirmativa pretensiosa, mas ao longo do documentário veremos que o bicho realmente pegou. A vontade de dirigir um filme se passando no Vietnã já passava pela cabeça de Coppola em 1969, em pleno calor do conflito. Mas ninguém foi louco de patrocinar um projeto desses, principalmente levando em consideração que as filmagens seriam no próprio Vietnã. Era o projeto dos sonhos de Coppola. E como ele ficou rico com O PODEROSO CHEFÃO (1972) e O PODEROSO CHEFÃO - PARTE II (1974), teve condições financeiras e prestígio suficientes para levar a cabo o seu ambicioso projeto, a transposição do romance "O Coração das Trevas", de Joseph Conrad, para o Vietnã. Vale lembrar também que a adaptação desse romance foi o primeiro projeto de Orson Welles, que nunca conseguiu concretizar. No documentário, ouvimos a voz de Welles diversas vezes recitando trechos do romance.

Apesar de não ter sido filmado no próprio local do conflito e sim nas Filipinas, a locação não era exatamente tranquila. O país estava passando por uma situação política complicada e grupos de guerrilheiros estavam espalhados pelas selvas. Coppola levou a família junto, já que a intenção era passar alguns meses. A maior parte das cenas apresentadas no documentário foram filmadas pela esposa de Coppola, Eleanor. Lembrei-me de outra filmagem turbulenta em que o diretor também levou parte da família junto: O ILUMINADO, de Stanley Kubrick. Dirigir um filme num ambiente isolado é quase sempre problemático. Há outro caso famoso: BRINCANDO NOS CAMPOS DO SENHOR, de Hector Babenco, em que o cineasta e a equipe comeram o pão que o diabo amassou na selva amazônica.

APOCALYPSE NOW (1979) é o nome do filme e o seu astro principal era, a princípio, Harvey Keitel. Mas a primeira merda no ventilador acontece quando Keitel desiste do filme e Martin Sheen o substitui. Outros problemas que podem ser enumerados: Marlon Brando pede três milhões de dólares por sua participação pequena (um absurdo para a época); o governo dos Estados Unidos não libera helicópteros da Força Aérea e Coppola faz acordo com o presidente das Filipinas para liberar os seus; Martin Sheen é convidado a entrar em contato com o seu lado negro para adentrar com realismo no papel e isso lhe faz muito mal, desencadeando num infarto; Dennis Hopper estava numa fase bem doida, não conseguindo decorar suas falas; Marlon Brando chega perto do final das filmagens, muito gordo e incomodado com isso; pra completar, Coppola fica tão perturbado com tanta coisa que dá errado e com as filmagens que se arrastam por meses que pensa até mesmo em se matar ou pular de um lugar alto e ficar paralítico. Em certo momento, inclusive, Coppola desmaia e quase perde a sanidade de vez. Coisa de louco, não?

E há muito mais no documentário. A cena da morte do animal é bem forte - uma semelhante e ainda mais explícita pode ser conferida em outro filme, o filipino SILIP - DAUGHTERS OF EVE. Pelo visto é uma técnica ritualística daquele povo. Um negócio bem selvagem, mas que Eleanor conseguiu enxergar beleza enquanto filmava. Quem viu APOCALYPSE NOW não esquece da cena da morte do animal, em montagem paralela com a sequência do assassinato de Kurtz, ao som de "The End", dos Doors. Coppola também aproveitou a força do acaso em cenas que mostram o tufão que destruiu boa parte das casas da região e causou duzentas mortes. Depois dessa experiência, nunca mais Coppola realizou projeto tão ambicioso.

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