quarta-feira, maio 27, 2009

LEONERA





















Os outros dois filmes de Pablo Trapero exibidos em Fortaleza - DO OUTRO LADO DA LEI (2002) e FAMÍLIA RODANTE (2004) -, por alguma razão não consegui vê-los. Achei que aconteceria o mesmo com LEONERA (2008), mas felizmente o filme ficou mais uma semana em cartaz e eu pude conferir. E que bom. Pois acabei vendo um dos melhores títulos do ano, coisa rara neste atual período de vacas magras nos cinemas. Um dos principais méritos de LEONERA está em nos fazer acompanhar uma personagem "sem passado" - Julia, interpretada com intensidade por Martina Gusman - e ainda assim nos sentirmos um pouco na pele dela. Depois, li num texto sobre o cinema de Trapero que esses personagens sem passado e com um futuro imposto são recorrentes em sua filmografia.

Julia é presa logo no início do filme, acusada de ter matado o namorado e de ferir o suposto amante do namorado (Rodrigo Santoro, cada vez mais à vontade no cinema internacional). Se Julia é culpada ou inocente, não se sabe ao certo, mas impossível não ficarmos do seu lado. Até porque o filme muito raramente abandona o ponto de vista dela. A maior parte de sua metragem é centrada na penitenciária feminina onde ela se encontra. Por causa da gravidez, Julia recebe o benefício de ficar num pavilhão destinado a mulheres grávidas ou mulheres que entraram grávidas e que podem criar seus filhos até eles completarem quatro anos de idade, quando a criança tem sua guarda transferida para alguém da família ou, na falta de alguém, encaminhada a um orfanato.

O tempo passa rápido e vemos a evolução de Julia nessa situação, despindo-se de preconceitos e estabelecendo vínculos de amizade com as outras detentas, criando até mesmo um relacionamento fisicamente mais íntimo com uma delas. O salto temporal que mostra a cena de Julia, nua, com um barrigão no chuveiro, é um destaque. O próprio espectador, talvez um pouco chocado diante daquela realidade nua e crua de mulheres feias, tomando banho juntas e eventualmente brigando feito cachorros, vai aos poucos se acostumando com aquele mundo. Até porque, ao longo da narrativa, a visão do pavilhão é relativamente suavizada. E também porque não nos resta outra alternativa, pois o filme praticamente não se utiliza de narrativas paralelas ou de situações fora da prisão, a não ser quando Julia retorna ao juíz para tentar mais uma vez sua liberdade, ou com o surgimento da mãe de Julia e sua ligação com o neto. Rodrigo Santoro tem uma participação pequena mas marcante no filme, mas quem rouba as cenas são mesmo as mulheres. Alguns momentos são particularmente poéticos, com um misto de alegria e melancolia, como a cena do filho de Julia se balançando entre as grades, ou quando acontece uma celebração natalina no presídio. É filme de gente grande, carregado do forte sentimentalismo argentino, mas com uma força diante das adversidades e uma vontade de superar que causa emoção. Filmes que lidam com o tema do amor maternal sempre acabam por mexer com as emoções desse canceriano aqui. E com LEONERA não foi diferente.

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