segunda-feira, outubro 06, 2008

VIDAS SECAS



É muito raro quando um cineasta consegue ser bem sucedido na transposição de uma obra literária para as telas. Principalmente quando se trata de uma obra já consagrada, como o romance "Vidas Secas", de Graciliano Ramos. Se bem que a obra de Graciliano já flertava um pouco com o cinema, utilizando-se, por exemplo, de onomatopéias para descrever o som das sandálias de couro de Fabiano e Sinhá Vitória, para que imaginássemos esse som e o silêncio sepulcral ao fundo. E seguindo esse caminho, Nelson Pereira dos Santos fez um VIDAS SECAS (1963) tão seco quanto a prosa do livro, tanto que praticamente não há trilha sonora, apenas o som ambiente, dos pássaros, dos galhos secos das árvores, do som da cachorra, além dos poucos diálogos. Além da música-ambiente em algumas seqüências, a única música que ouvimos é algo parecido com um lamento indígena, que se ouve no início e no fim do filme, que dá um ar de circularidade, ao mostrar a família sempre em estado de fuga. Fuga da seca e da fome e em busca sempre de um lugar melhor.

A família se compõe de um casal, Fabiano (Átila Iório) e Sinhá Vitória (Maria Ribeiro), dois filhos pequenos e a cachorra Baleia, animal que é creditado no filme e tem a força de aquebrantar o coração do espectador, mais até do que os próprios intérpretes, até por eles representarem pessoas endurecidas pela vida difícil. Como visto recentemente em CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS, de Marcelo Gomes, a fotografia de VIDAS SECAS aparece estourada. Como a fotografia, sob os cuidados de Luiz Carlos Barreto, é em preto e branco, esse recurso estilístico se destaca ainda mais. No começo, a família encontra uma casa vazia, aparentemente abandonada por uma família que resolveu emigrar. Fabiano e sua família se estabelecem por lá até a chegada do dono, um coronel interpretado por Jofre Soares, que os bota pra correr de lá, mas que, devido aos apelos de Fabiano, aceita-o como boiadeiro. Um dos destaques do filme é o uso do fluxo de consciência dos personagens numa cena que mostra Fabiano e Sinhá Vitória falando para a tela os seus pensamentos sobre a vida com suas vozes se sobrepondo. Seqüência muito interessante e ajuda a enriquecer ainda mais esse belo trabalho. Também gosto muito da cena do menino perguntando para a mãe o que é o inferno.

Marco do cinema novo e fortemente influenciado pelo neo-realismo italiano, VIDAS SECAS teve grande repercussão internacional, sendo a seqüência mais memorável, sem dúvida, a da morte da cachorra Baleia, que se constitui o ápice do filme. Inclusive, quando o filme foi exibido no Festival de Cannes, boa parte do público pensou que a produção havia realmente matado a cachorrinha. E muita gente ficou feliz ao vê-la sendo apresentada junto com o elenco, tendo sido aplaudida como uma estrela!

Há outras histórias curiosas sobre as filmagens de VIDAS SECAS, como o fato de Nelson não ter conseguido realizar o filme em 1959, no sertão baiano. Ao chegar lá, estava chovendo, e ele, meio que de improviso, acabou dirigindo outro filme: MANDACARU VERMELHO (1961). Depois, ele se mandou para a cidade onde morava Graciliano Ramos, no interior de Alagoas. Chegando lá, as filmagens não davam certo, tudo dava errado. Até o dia em que um dos atores do filme caiu no chão e numa espécie de transe afirmou ser o espírito do próprio Graciliano, pedindo que rezassem uma missa para ele. Nelson achou estranho, principalmente pelo fato de que Graciliano era ateu, mas acabou rezando essa missa e tudo depois deu certo.

Como adquiri o livro "Nelson Pereira dos Santos", de Helena Salem - que é mais um a engrossar a minha coleção de biografias e de livros sobre cinema -, em breve saberei mais detalhes sobre a realização desse filme e de todos os demais do cineasta.

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