segunda-feira, março 26, 2012

AS CARIOCAS



Só o fato de ter cineastas como Walter Hugo Khouri e Roberto Santos reinventando as histórias de Sérgio Porto já faz de AS CARIOCAS (1966) uma obra no mínimo imperdível, ainda que, como praticamente todo filme em segmentos, se caracterize pela irregularidade. Principalmente por causa do fraco segmento inicial, dirigido por Fernando de Barros. Apesar disso, talvez tenha sido esse o segmento que mais se aproximou do texto cômico de Porto e que por isso mesmo ganha mais semelhança com a história apresentada na série AS CARIOCAS (2010), de Daniel Filho.

A produção sessentista não nomeia as histórias; apenas diz o nome dos diretores. Mas em ordem, cada um fez à sua maneira adaptações de "A Invejosa de Ipanema" (se esse for mesmo o título original do conto, pois foi o dado para o episódio da série, com Fernanda Torres), "A Noiva do Catete" e "A Desinibida de Grajaú", dirigidos respectivamente por Barros, Khouri e Santos. De todo modo, ambos fornecem uma bela descrição dos costumes e do modo de viver da sociedade brasileira e especificamente carioca daquela segunda metade da década de 1960. Os corpos mais cheinhos das moças da época, por exemplo, chamam a atenção hoje.

O segmento de Fernando de Barros é o mais simples. Norma Bengell é a mulher invejosa que quer ter o mesmo carro luxuoso que a esposa do seu amante tem. E esse carro tem tiragem limitada e é muito caro. Só quem tem é um playboy interpretado por John Herbert. A ideia dela é ganhar o carro pegando um pouco de dinheiro do marido e do amante. Quase inofensivo, o segmento cumpre a sua missão de entreter sem reinventar o texto de Porto.

Já Walter Hugo Khouri faz algo bem diferente e jazzístico, coerente com sua obra. A diferença para o segmento anterior é abissal. A começar pelo andamento bem mais lento para quem quer contar uma história em meia hora. Aliás, Khouri parece estar pouco se importando com a história. Seu curta, além de lembrar seus próprios trabalhos dos anos 1960, como AS AMOROSAS e NOITE VAZIA, lembra também o que Michelangelo Antonioni fazia na época. Jaqueline Myrna (foto) é a bela moça que tem um noivo e dois amantes. Mas longe de mostrar a mulher como uma pecadora ou algo do tipo, Khouri a mostra como uma mulher bela, generosa e um tanto melancólica e utiliza um registro dramático e sem clímax.

Fechando o longa, o segmento de Roberto Santos utiliza um recurso interessante: todo o filme se passa em um programa de televisão que, com "imagens de arquivo" e um apresentador sensacionalista, nos conta o que levou Marlene (Íris Bruzzi) a provocar escândalo ao tirar a roupa num bairro da zona norte, no caso a Penha (Santos modificou Grajaú pela Penha). Trata-se de um episódio bastante inventivo na forma como ele adaptou o conto, trazendo para a recém-criada Rede Globo a trama que lida com a diferença de costumes sociais dentro do próprio Rio de Janeiro. Dos três segmentos, é o que mais traz um conteúdo político e contestatório.

P.S.: Hoje foi minha estreia no blog de cinema do Diário do Nordeste, editado por um dos mais importantes críticos da cidade, Pedro Martins Freire. Escrevi sobre AS FLORES DE KIRKUK. Prestigiem AQUI.

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