terça-feira, julho 06, 2010

SEAMS



Do livrinho "Ilha Deserta - Filmes", publicado pela PubliFolha, os textos mais ricos, interessantes e informativos são os escritos por João Moreira Salles. Não se considerando um cinéfilo por causa das grandes lacunas, ele se tornou, além de um grande documentarista, um especialista em documentários. E me fez ficar bastante interessado em conhecer vários filmes do gênero. Cada texto seu se lê com prazer e a vontade de ver o filme descrito é imediata. Ele não fez um inventário dos dez (no caso, onze) melhores documentários, mas os dez que ele mais tem prazer em apresentar. Por isso, alguns deles são obscuros ou difíceis de encontrar. SEAMS (1993), de Karim Aïnouz, feito quase dez anos antes de sua estreia na direção de longas com MADAME SATÃ (2002), foi um dos que mais me chamou a atenção, não apenas pelo interesse na filmografia do diretor, mas pela própria proposta do filme.

SEAMS é um projeto que levou três anos para ser concluído. Aïnouz morava em Nova York e fez as entrevistas com a mãe, as tias e a a avó, quando vinha passar uns dias em Fortaleza. Por isso o filme é narrado em inglês e legendado em inglês nos depoimentos das mulheres. A intenção de Aïnouz é mostrar para os americanos como é - ou pelo menos como era - ser mulher no Brasil, em especial, no Nordeste brasileiro, onde o machismo é mais dominante, onde os homens são mais preconceituosos com os homossexuais e onde as mulheres tinham que casar cedo e obedecer as regras da sociedade, abdicando de suas próprias vontades. Casar por amor, então, é algo que simplesmente não existe para essas mulheres. Uma delas, inclusive, conta que o falecimento de um homem foi encarado por sua esposa como um alívio.

O que me deixou intrigado no filme foi justamente esse incômodo que o homem provoca em algumas mulheres. Não tive como não me lembrar de meu pai e de como em seus últimos anos de vida ele foi tratado quase que como um intruso. E de como sua morte tornou o ambiente familiar mais harmônico, por mais cruel que essas palavras possam soar. Depois que ele morreu, eu, minha mãe e minhas irmãs passamos a comemorar o dia das mães, passamos a ter ceia de natal, coisa que praticamente não havia antes.

No caso do filme de Aïnouz, sua intenção é mostrar de maneira perjorativa a figura do macho (que no vocabulário gay do filme, é traduzido como "bofe"). Aliás, uma das poucas coisas que me incomodam em SEAMS é esse aspecto meio de gueto homossexual. O que eu mais gostei foi uma espécie de "bate-bola" involuntário que ocorreu entre Karim e sua velha tia solteira. Ele pergunta a ela se ela nunca tinha dormido com um homem. Ela responde, com certa doçura e inocência, que nunca se casou. Meses depois, é ela que faz uma pergunta pessoal a Karim: se ele tem uma namorada. Ele diz que não. Pelo menos, não exatamente. Que é complicado. E "a vida é tão complicada" é uma frase que a mãe de Aïnouz diz ao longo do filme. Com menos de meia hora de duração, SEAMS me fez refletir sobre uma série de coisas.

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