sexta-feira, julho 23, 2010

DIRIGIDO POR JOHN FORD (Directed by John Ford)



Há tempos eu procurava legendas, fossem em inglês ou em espanhol, para DIRIGIDO POR JOHN FORD (1971/2006), documentário sobre o lendário cineasta, dirigido por Peter Bogdanovich. Até que uma alma caridosa postou na internet uma cópia de uma exibição brasileira de um canal pago com legendas em português mesmo. Quer dizer: maravilha! Aprendi a gostar de John Ford com o tempo e vendo seus filmes quase que semanalmente quando fiz a primeira peregrinação por sua obra. Ainda pretendo fazer uma segunda, já que consegui outros filmes dele, inclusive da fase muda. Mas deve haver uma terceira também lá pela frente. Afinal, o homem tem 140 filmes no currículo, contando os tempos em que ele assinava Jack Ford.

O fato é que quanto mais se vê Ford, mais se gosta. Sinto como se aquela persona que ele criou de velho ranzinza fosse só uma máscara para cobrir um sentimentalismo inerente. E o fato de ele não conseguir expressar em palavras essa sua riqueza emocional e estética só aumenta o poder do quanto ele é capaz de mostrar através de imagens e sons. Não deixa de ser engraçada a tentativa de Bogdanovich entrevistá-lo e ele só responder como se não estivesse levando a sério aqueles questionamentos mais profundos e ainda mandar cortar quando ficou de saco cheio daquilo. As respostas eram bem "Seu Lunga": "How did you shoot that?" "With a camera."

A versão restaurada do documentário conta com alguns minutos a mais e traz depoimentos de figuras ilustres, como Martin Scorsese, Steven Spielberg, Clint Eastwood, Walter Hill, além do próprio Bogdanovich. Dos depoimentos da versão original, podemos ver John Wayne, Harry Carey Jr., James Stewart, Maureen O'Hara e Henry Fonda. E a narração original é de Orson Welles, o homem que respondeu à pergunta sobre quais os seus cineastas favoritos com "John Ford, John Ford e John Ford". Cada depoimento e cada trecho de filme apresentado ajuda a enriquecer o nosso amor por Ford e o nosso conhecimento tanto do homem quanto do cineasta. Se já tivermos visto o filme principalmente. Inclusive, até aumenta a vontade de rever alguns.

Scorsese começa afirmando que o primeiro diretor que fez com que ele, quando jovem, passasse a prestar atenção nos créditos de um filme foi John Ford. Se estivesse escrito "Directed by John Ford", ele podia se preparar que vinha coisa boa ali. O primeiro cineasta da nova Hollywood a falar no documentário é Clint Eastwood, considerado o principal herdeiro de Ford. E a primeira cena mostrada é a clássica e bela chegada do personagem de John Wayne em RASTROS DE ÓDIO (1956). Já Steven Spielberg tem uma história bem interessante para contar, do dia em que conheceu pessoalmente Ford. O velho cineasta e aquele que ainda se tornaria um em frente a fotografias de quadros de westerns. O assunto em destaque dos dois era o modo como o horizonte se apresentava naquelas fotos. E Spielberg passou no teste.

Spielberg também destaca os rituais encontrados nos filmes de Ford, como as danças, os momentos de funeral, a música seresteira ou o canto indígena. Aliás, que lindo que é a cena dos seresteiros cantando para o casal em crise John Wayne e Maureen O'Hara em RIO GRANDE (1950), hein! Spielberg também faz uma observação interessante sobre os planos gerais dos filmes de Ford, como se fossem pinturas. Em seguida, vemos um trecho de RASTROS DE ÓDIO com a câmera parada e muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Mas Ford consegue disfarçar a sua grandiloquência plástica, concentrando as atenções na trama. Quer dizer, no fim das contas, dos cineastas convidados da nova Hollywood é Spielberg quem faz as melhores observações.

O documentário ensaia um pouco do começo da carreira de Ford, dirigindo filmes mudos, mas não aprofunda muito. Até porque é preciso correr para dar conta de uma filmografia tão extensa e tantos temas a serem abordados. Daria um bom filme ou minissérie de cinco horas ou mais de duração. Apesar disso, Bogdanovich não nos priva de alguns planos-sequência relativamente longos, como o da conversa de James Stewart e Richard Widmark em TERRA BRUTA (1961). São apenas dois homens conversando na beira de um rio, mas há algo a mais no ar. É como se o tempo parasse naquele momento.

Outra coisa que eu gostei foi quando John Wayne destacou a melancolia que Ford imprimia sem a utilização de diálogos. Apenas com as imagens e o uso da música. O próprio Wayne, tantas vezes subestimado como ator, aparece em diversos desses momentos melancólicos e belos, em diversos filmes. E numa sequência falada, como não ficar com um nó na garganta ao ver a despedida de Wayne em LEGIÃO INVENCÍVEL (1949)? No momento em que ele recebe uma lembrancinha de seus soldados. Bastante sentimental. E falando em sentimentalismo, o documentário ainda guarda uma surpresinha, quando vemos uma conversa entre Ford e Katharine Hepburn, por quem foi apaixonado. Já distantes um do outro, eles não sabiam que o gravador estava ligado. E não é sempre que podemos ver um "eu te amo" saindo da boca do próprio John Ford.

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