domingo, fevereiro 19, 2012

A INVENÇÃO DE HUGO CABRET (Hugo)



Martin Scorsese, por ter passado a sua infância num bairro pobre de descendentes italianos em Nova York, sabe bem o que é a figura de uma criança crescida na rua, muito embora ele, por causa da asma, tenha sido criado superprotegido pelos pais, mais na solidão, por não fazer nada físico e não brincar com as outras crianças. Em compensação, havia um ritual de ir sempre ao cinema com o pai, não importando que filme passava. Em A INVENÇÃO DE HUGO CABRET (2011), encontramos algumas similaridades entre o cineasta e o protagonista, o garotinho órfão Hugo, que mora sozinho na torre de relógio de uma estação de trem na Paris da década de 1930. Para sobreviver, ele rouba comida e é constantemente perseguido pelo guarda (Sasha Baron Cohen). Não era o caso de Scorsese quando criança, mas interessante esse detalhe ser mostrado num filme que também é destinado ao público infantil. Mas estamos falando de Scorsese, o mestre dos filmes de gângster, e não poderia ser diferente.

Até porque essa situação do menino remete a O GAROTO, de Charles Chaplin, um entre vários filmes homenageados em A INVENÇÃO DE HUGO CABRET. Além do mais, na filmografia de Scorsese há toda uma simpatia por tipos marginais. A imagem marginal de Hugo é suavizada pela figura do garoto de imensos e expressivos olhos azuis vivido por Asa Butterfield. Ele vive em solidão, mas é acostumado a ver o seu mundo como uma tela de cinema, através da torre de relógios da estação, como o filme faz questão de explicitar logo no início. Seu maior sonho é conseguir consertar um autômato, uma espécie de protótipo de robô, que escreveria algo, mas que para isso seria necessário algumas peças, que ele procura roubar da banquinha de um velho senhor vivido por Ben Kingsley.

Esse senhor é ninguém menos que Georges Méliès, o pai do cinema narrativo, mais conhecido mundialmente como o diretor de VIAGEM À LUA, filme que carrega consigo uma das imagens mais icônicas do século XX, a de um foguete penetrando o olho da Lua. Méliès é a razão de ser do filme. O personagem, amargurado por ter sido esquecido pela sociedade e não querendo mais lembrar de seus tempos gloriosos, anteriores à Primeira Guerra, aos poucos vai conquistando o espectador, até o que eu considero o momento mais emocionante do filme.

Enquanto isso, é a aventura de Hugo e de sua primeira amiguinha, a garotinha que mora na casa de Méliès vivida por Chloë Grace (de KICK-ASS e DEIXE-ME ENTRAR), que dá o tom e que ganha o filme para as plateias menores. Aliás, HUGO já conquista o espectador de todas as idades com o rapidíssimo travelling inicial, nos apresentando a estação. Mas nada como compartilhar a descoberta do cinema pela menina, vendo pela primeira vez um filme na telona (uma comédia de Harold Lloyd, que mais na frente veremos que tem tudo a ver com HUGO e que foi homenageada também em DE VOLTA PARA O FUTURO); e depois ver os dois lendo um livro de História do Cinema numa biblioteca.

Assim, homenageando os irmãos Lumière e principalmente Méliès, A INVENÇÃO DE HUGO CABRET abraça as duas formas de se fazer cinema. Tudo a ver com esse atual momento de Scorsese de também se dedicar à direção de documentários. Assim, a realidade e a fantasia se misturam e se completam de forma mágica nesse belo e luminoso filme.

A INVENÇÃO DE HUGO CABRET recebeu onze indicações ao Oscar, nas categorias de filme, direção, roteiro adaptado, fotografia, direção de arte, figurino, montagem, trilha sonora, edição de som, mixagem de som e efeitos visuais.

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