quinta-feira, dezembro 10, 2009

VÍCIO FRENÉTICO (Bad Lieutenant)























Não tinha a intenção de ver VÍCIO FRENÉTICO (1992) agora. Minha intenção era fazer uma daquelas peregrinações pela obra de Abel Ferrara, acompanhando seus filmes em ordem cronológica. Até já estou acumulando alguns em dvix e dvd e a previsão de eu começar a vê-los é agora em 2010. Porém, quando vi o trailer no cinema da versão de Werner Herzog, fiquei salivando para ver logo o original de Ferrara, que eu devia ter visto há muito tempo. Era uma dessas lacunas quase imperdoáveis. E por mais que muitos já tenham me avisado do quão chapante é o filme, eu não estava preparado para ver algo tão visceral, tão forte, tão genial. Obra-prima mesmo.

VÍCIO FRENÉTICO mostra a descida progressiva de um homem ao abismo de sua alma. Ou ao inferno, já que estamos lidando com um cineasta que trabalha com o Catolicismo, que tem na culpa e no sacrifício as suas principais marcas. Harvey Keitel tem o papel de sua vida como o mau policial do título original. Um homem que nem mesmo tem nome no filme. Ele é um policial que vai fundo em vários tipos de drogas (cheiráveis, fumáveis, injetáveis), no sexo pago, nas apostas em jogos e no comportamento imoral, aproveitando-se de sua posição de policial. Refiro-me, principalmente, à memorável cena da abordagem das duas meninas no carro, que talvez seja o momento em que o personagem de Keitel parece mais repulsivo.

O que pode vir como uma espécie de redenção ou como o caminho do bem para ele talvez esteja na busca pelos estupradores das freiras. Sim, o filme ainda por cima tem uma cena de estupro de freiras, que pode ser visto pelos olhos do escândalo ou do fetiche. A sequência de sexo do filme, com duas prostitutas na cama, traz consigo uma bela e triste canção dos anos 50 ("Pledging my love", cantada por Johnny Ace), que já dá o tom de melancolia e pessimismo que será uma constante no decorrer do filme. A canção aparecerá novamente perto do final, acentuando sua importância na tragédia daquele homem que entra numa espécie de autossacrifício. Sua busca pelos pecados capitais não está ligada à uma procura desesperada pelo prazer. Ele faz aquilo como um meio de dar cabo aos poucos de sua vida mesmo. Talvez porque, sendo católico, ele acredite que pecando de maneira cada vez mais suja, ele tornará sua alma cada vez menos digna do perdão. Dessa forma, Ferrara questiona a natureza do pecado e o quanto o prazer e a dor podem estar tão próximos quando se já está num estado de inferno pessoal.

E se eu já tinha me admirado com o tratamento todo especial das discussões religiosas entre criminosos em OS CHEFÕES (1996), fiquei ainda mais impressionado com o quão fundo Ferrara vai na reflexão da fé e do pecado, mostrando os estragos que a religião faz na cabeça das pessoas, mas também nos mostrando a beleza do perdão. Tudo isso embalado com o papel de presente da transgressão.

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