
No início de minha cinefilia, uma das sessões que mais me deu prazer foi a de ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA (1990), no saudoso Cine Fortaleza. Lembro que fiquei encantado com o clima do filme, com o tom da fotografia, com o aspecto mais adulto do enredo. Inclusive, é um filme que seria interessante rever. Na época, acho que já sabia dos filmes de paranoia e política que o diretor Alan J. Pakula havia realizado na década de 1970. Havia visto A TRAMA (1974) na televisão, mas até hoje não vi KLUTE – O PASSADO CONDENA (1971), apesar de seu cartaz tão atraente. E só agora há pouco terminei de ver TODOS OS HOMENS DO PRESIDENTE (1976), de um BluRay da Warner que meu amigo Zezão havia me emprestado há séculos e acho que deve até ter se esquecido.
Senti vontade de ver finalmente o filme ao ouvir por esses dias um episódio antigo do Podcast Filmes Clássicos (um achado, esse podcast!), sem medo de spoilers ou coisa do tipo. E meu retorno ao filme neste momento (retorno, pois cheguei a comer a vê-lo meses atrás, ou anos) foi ótimo pois pude perceber com mais atenção certos detalhes, seja a fotografia do "Príncipe das Trevas" Gordon Willis, que valoriza tanto a escuridão quanto a profundidade de campo na redação do jornal, sejam as interpretações magistrais de Robert Redford e Dustin Hoffman (principalmente Hoffman, com seu estilo mais elétrico). É também admirável a montagem, de Robert L. Wolfe, parceiro de Sam Peckinpah, e que em TODOS OS HOMENS DO PRESIDENTE consegue fazer com que um filme que se passa num jornal consiga ganhar ares de suspense intenso, graças a cortes espertos e escolhas muito inventivas.
O grau de verdade que eles passam para a história é incrível e vendo os extras sobre os bastidores da produção, tudo fica ainda mais impressionante. O idealizador do projeto é Robert Redford, que leu o livro e ficou interessado em fazer um filme protagonizado não pelas pessoas que trabalharam com Richard Nixon e foram implicadas, mas com o próprio ofício, com a investigação dos dois. Assim, Redford e Hoffman passaram um tempo junto com os verdadeiros jornalistas de modo a ficarem mais parecidos com eles. Houve também todo um interesse em fazer o mais próximo possível de uma rotina de um jornal, muito diferente do que Hollywood até então mostrara. Alan J. Pakula foi escolha de Redford, ele entraria depois da escolha dos atores. Foi escolhido por seu estilo mais clássico. E também, muito provavelmente por seus dois thrillers de paranoia que fizeram história.
Ficar um bocado perdido com tantos nomes e tantas conexões que os jornalistas ligam faz parte dessa sensação de estar buscando uma agulha num palheiro. É fascinante ver como era aquele mundo pré-internet, com dados tendo que ser buscados em cada pequeno documento, como cartões de biblioteca, em cada declaração pessoal sequer dita com todas as palavras por testemunhas temerosas de denunciar o maior escândalo da história da política americana, o que levou Richard Nixon a renunciar. Achei também interessante mostrar os dois repórteres investigadores como homens solteiros totalmente devotados a seu ofício, quase não dormindo, com tanta coisa para ser investigada, tantas peças para montar um quebra-cabeças que demora até a fazer sentido quando a narrativa vai chegando a princípio para o editor-chefe do jornal, vivido por Jason Robards.
TODOS OS HOMENS DO PRESIDENTE foi indicado ao Oscar de melhor filme no mesmo ano de TAXI DRIVER, de Martin Scorsese, REDE DE INTRIGAS, de Sidney Lumet, ROCKY, UM LUTADOR, de John G. Avildsen, e ESTA TERRA É MINHA TERRA, de Hal Ashby. Foi um ano incrível. O filme de Pakula e Redford ganhou em quatro categorias: melhor ator coadjuvante para Jason Robards, melhor roteiro adaptado para William Goldman, melhor direção de arte e melhor edição de som. Inclusive, como vi em som DTS-HD, fiquei impressionado com esse trabalho em especial.
+ TRÊS FILMES
VITÓRIA
Fernanda Montenegro está maravilhosa como uma senhora idosa e muito frágil que ousa filmar os crimes acontecendo na janela de seu apartamento, uma vez que ninguém parece querer fazer nada a respeito (dos tiroteios, do tráfico de drogas, das crianças pegando em armas). Quando até a polícia é corrupta, o que fazer? Embora tenha gostado do resultado, fiquei me perguntando como seria se Breno Silveira tivesse conseguido tocar o projeto. A morte precoce de um diretor tão sensível é muito triste. Mas Andrucha Waddington faz, sim, um belo trabalho em VITÓRIA (2025), sabendo colocar a câmera nos locais certos para nos deixar em estado de aflição até numa simples passagem para o outro lado da rua da personagem de Fernandona. Mas a cena que mais me tocou acontece no final, depois que a protagonista passa por todo o sufoco e abraça a amiga vivida por Linn da Quebrada. Que lindo que é aquela cena. Alan Rocha, como o repórter investigativo, também está muito bem. Parece ser um personagem saído dos filmes americanos de jornalismo. E falo isso como um elogio.
OSTENDE
É difícil ver TRENQUE LAUQUEN (2022) e não ficar interessado na filmografia pregressa de Laura Citarella. E vendo os títulos que ela já realizou, este OSTENDE (2011) foi o que mais me chamou a atenção: primeiramente por também trazer Laura Paredes, certamente uma das melhores atrizes da Argentina e provavelmente da América Latina, e depois por também ser uma história ambientada numa cidade pequena e com um plot de suspense, mas aquele tipo de suspense mais cheio de poros, de respiros, mas com uma clara influência de Hitchcock, em especial de JANELA INDISCRETA. Na trama, Paredes é uma jovem mulher que espera o namorado num hotel à beira-mar e enquanto isso percebe o comportamento estranho de certos hóspedes, principalmente de um homem velho que está junto a duas mulheres mais jovens. Destaco pelo menos duas cenas: uma em que a protagonista está em seu quarto e ouve barulhos estranhos no quarto ao lado, e outra, em que ela persegue o velho e uma das mulheres, com a câmera fazendo um jogo interessantíssimo de foco e desfoco. Há um momento também especialmente incômodo, mas acredito que é proposital, que é a do longo monólogo do atendente da lanchonete e sua ideia para um filme. Citarella economiza na trilha sonora, o que confere ao filme até um mistério maior, e utiliza a música de forma pontual e acertada. OSTENDE não está no mesmo nível de TRENQUE LAUQUEN, mas é bem possível que a obra-prima da realizadora não existisse se não fosse a experiência dela com este trabalho de 2011.
QUEM A VIU MORRER? (Chi L'ha Vista Morire?)
Dos dois gialli de Aldo Lado este segue um padrão mais próximo do estabelecido nos anos de ouro do subgênero. E talvez por isso eu ainda prefira A BREVE NOITE DAS BONECAS DE VIDRO (1971), seu trabalho anterior, bem mais inventivo e original, da estrutura à premissa. Este tem também o seu charme e há uma semelhança com a trama de INVERNO DE SANGUE EM VENEZA, de Nicolas Roeg, que só seria lançado no ano seguinte. Nos extras do box Giallo Vol. 8 há um comentário muito interessado de um crítico americano em que ele faz um rápido mas muito curioso paralelo entre os dois filmes. Em QUEM A VIU MORRER? (1972), George Lazenby é um escultor divorciado cuja filha pequena vai visitá-lo em Veneza. Logo essa menina será vitima do mesmo assassino (ou assassina) de crianças que mata uma menina no prólogo. O fato de ser um assassino com roupas de mulher acaba lembrando PSICOSE, e o filme vai seguindo uma linha natural de deixar pistas e personagens para imaginarmos quem é o assassino. Diferente do filme de Roeg, este não é exatamente um filme sobre luto: há um gosto maior pelo gênero, pela fixação nas mortes e no mistério e na construção cênica do que nos sentimentos dos personagens, ou mesmo no terror em si. A personagem de Anita Strindberg (NO QUARTO ESCURO DE SATÃ) é bem subaproveitada, quase como se não soubessem o que fazer com ela.