Um timing perfeito o da chegada do documentário DAVID LYNCH - A VIDA DE UM ARTISTA (2016) aos cinemas. Atualmente, o cineasta anda sendo incensado à categoria de um dos maiores gênios do cinema de todos os tempos, principalmente pela nova revolução que ele vem mostrando com TWIN PEAKS - THE RETURN (2017), que é, entre outras coisas, uma síntese de toda sua carreira, inclusive de seu período pré-cinema, como pintor, ou quando resolve experimentar pinturas que se movem, o que o levou ao cinema.
Um dos grandes acertos dos diretores Jon Nguyen, Rick Barnes e Olivia Neergaard-Holm foi ter conseguido fazer um documentário que é a cara de seu objeto de estudo. Ou seja, embora possa parecer às vezes um documentário tradicional, com muita fala de David Lynch sobre sua infância, juventude, fatos inusitados de sua vida e arte, isso é contado com um uso de uma música (muitas delas compostas pelo próprio Lynch) e de um som que funcionam como objetos lynchianos perfeitos para o documentário.
Há também um interesse especial por situações surreais na vida de Lynch, como algumas lembranças que ele tem da infância, como a de uma mulher andando completamente nua na rua com sangue saindo pela boca. No geral, porém, não parece haver muitos motivos em sua vida para que o artista tenha preferido adotar esse gosto pelo bizarro e pela violência com humor, que caracterizaria boa parte de sua obra. Inclusive, sua infância parece ser tão perfeita quanto são as cidades que ele aborda, quando vistas de maneira superficial. É assim em TWIN PEAKS (1990-1991); é assim em VELUDO AZUL (1986) etc.
A emulação do jeito Lynch de ser está presente em outras situações e momentos do documentário, como quando há uma exploração do humor retirado da vida real: a primeira experiência com a maconha, ou a visita do pai à sua oficina artística (o conselho do pai: "Não tenha filhos", ao acreditar que o filho é mentalmente doente, é hilário). O que vemos em seus quadros belamente sinistros é uma espécie de sublimação de seu lado mais sombrio através da arte. Sem falar no quanto esses quadros são familiares a quem acompanha a obra cinematográfica e televisiva de Lynch. Explora-se também, nos monólogos, os silêncios, que são tão caros ao cineasta, com sua fala característica.
Quem procura em DAVID LYNCH - A VIDA DE UM ARTISTA uma espécie de compêndio de suas obras cinematográficas, como foram DE PALMA, OZUALDO CANDEIAS E O CINEMA e JIA ZHANG-KE, UM HOMEM DE FENYANG, para citar três exemplos recentes, pode sair um tanto decepcionado do cinema. Então, é bom que o espectador já saiba que estará diante de um Lynch anterior a ERASERHEAD (1977), ainda que vejamos um pouco dos bastidores do primeiro longa-metragem do cineasta, visto por ele como uma das melhores e mais belas coisas que ele já fez. Deste modo, é possível sair bastante satisfeito com o que acabou de ver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário