Darren Aronofsky chega ao seu sétimo longa-metragem aumentando ainda mais a polaridade sobre as discussões sobre gostar ou não gostar de sua obra - ou encará-la como algo precioso ou ruim e pretensioso. Isso vem desde seu longa de estreia, PI (1998), e continuou em suas obras seguintes. Mas uma coisa que não podemos negar é que se trata de um diretor corajoso e também bastante coerente em suas obsessões e interesses. MÃE! (2017) pode ser tanto parte da trilogia dos filmes religiosos do diretor, ao lado de FONTE DA VIDA (2006) e NOÉ (2014), quanto da trilogia dos filmes de horror, ao lado de RÉQUIEM PARA UM SONHO (2000) e CISNE NEGRO (2010).
É interessante analisar MÃE! tanto de um aspecto quanto de outro. Do ponto de vista do cinema de horror, é um dos mais curiosos no modo como ele inclui uma história que aparentemente pode seguir uma linha de O BEBÊ DE ROSEMARY, de Roman Polanski, mas que acaba se alinhando mais com um IMPÉRIO DOS SONHOS, de David Lynch. Ou seja, trata-se de um filme que nos coloca no lugar de uma personagem perturbada e que acaba por também nos contagiar com esse sentimento de deslocamento temporal e psicológico. O que está acontecendo? Essa é uma das perguntas que mais podem surgir durante as sessões de MÃE!
No aspecto religioso, é uma obra que pode ser vista como uma alegoria da Bíblia, tendo destacadas citações de personagens e livros bíblicos ao longo de sua trama, às vezes até de maneira pouco sutil, como em determinada fala de Jennifer Lawrence, ou em um acontecimento entre dois irmãos. Ao final, as metáforas parecem mais claras, o que acaba sendo uma espécie de convite para rever o filme e tentar esclarecer um pouco mais o que se acabou de ver. Afinal, trata-se de uma obra singular em muitos aspectos. Há, inclusive, quem vá sair da sessão com raiva ou algo parecido.
Na trama, Javier Bardem é um poeta que há tempos não escreve nenhuma obra nova e portanto está em crise de criatividade. Jennifer Lawrence é a esposa dedicada e bastante carente que faz o possível para agradar o marido e reconstruir lentamente a casa que outrora foi destruída. Os dois moram em uma residência longe da civilização. Por isso o espanto quando aparece um homem na porta (Ed Harris) certa noite. No dia seguinte, surge também uma mulher (Michelle Pfeiffer, ótima). Aos poucos, as pessoas que vão surgindo vão tornando a vida da protagonista um inferno.
O que talvez conte pontos contra o filme seja a dificuldade de comprar os sentimentos de dor, desorientação e perturbação da personagem de Lawrence, especialmente no terceiro ato, que requer mais força - pensar na Mia Farrow em O BEBÊ DE ROSEMARY é até covardia. De todo modo, não deixa de ser um tanto impactante o final, como se Aronofsky quisesse ir mais fundo no horror psicológico do que quando realizou CISNE NEGRO. Olha aí: CISNE NEGRO contava com o talento monstruoso de Natalie Portman, goste-se ou não do filme.
Quanto a Javier Bardem, trata-se talvez do ator mais versátil de sua geração, e aqui ele aparece um tanto quanto assustador em alguns momentos. O fato de ele representar quem representa no filme pode trazer muitas discussões sobre uma visão talvez crítica de Aronofsky sobre Deus, embora ele tenha abraçado com fé a história fantástica do dilúvio em NOÉ, tornando-a ainda mais fantástica do que a contada na Bíblia. E isso foi um acerto e tanto.
MÃE! também estaria aberto a outras interpretações que não a de simplesmente apresentar um Deus cheio de vaidade e sendo uma espécie de vampiro do amor alheio. Poderíamos dizer que se trata também de um filme sobre a natureza do homem, ou de artistas em especial, que costumam se aproveitar do amor de seus seguidores e adoradores para produzir sua arte. Até que ponto Aronofsky estaria se autocriticando e ao mesmo tempo exaltando o próprio ego? São só algumas das perguntas que podem ou não surgir. O que é muito positivo para um cinema que tem a intenção de ficar mais tempo na memória de seus espectadores.
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