sábado, maio 02, 2015

ELA VOLTA NA QUINTA



Interessante como o jovem cineasta mineiro André Novais Oliveira continua apostando na aparente simplicidade a fim de criar um corpo de trabalho inteligente e mais uma vez calcado no cotidiano como objeto de inspiração. Em seu primeiro curta, FANTASMAS (2009), ele utiliza um recurso inteligentíssimo para tratar de um assunto ligado a relações amorosas passadas. Em POUCO MAIS DE UM MÊS (2013), lá estava ele expondo a si mesmo discutindo relação com a namorada, que também aparece em sua estreia em longa-metragem, ELA VOLTA NA QUINTA (2014), que é ainda mais extremo nessa exposição, embora saibamos que há toda uma construção de ficção e de encenação ali, embora quase nos esqueçamos da câmera em alguns momentos.

Como o próprio André também é personagem da história protagonizada por seus pais, Norberto e Maria José, a câmera ganha um status bem convincente de onisciente. Até porque ela vê e nos mostra aquilo que André, o personagem, não sabe. Em alguns momentos é possível perceber um pouco da fragilidade dos (não) atores à frente das câmeras, como na cena da dança ao som de uma canção do Roberto Carlos, mas na grande maioria das vezes o método do diretor de deixar fluir – pelo menos aparentemente – a fala dos personagens, contribui para o seu caráter de verdade.

O melhor exemplo disso é uma cena em que a mãe de André está sozinha com ele no quarto. Ele confere sua pressão arterial, manifesta preocupação com sua saúde, e ela lhe conta algo sobre o pai dela, que segundo ela também era canceriano como André, gostava de sonhar, era pouco pragmático. Como do outro lado da tela sabemos que André é cineasta e que a vida de cineasta no Brasil não é fácil, por mais que isso não seja explicitado no filme, o diretor acaba por tornar a atividade de diretor de cinema no Brasil ainda menos glamorosa do que ela de fato é.

E glamour é uma palavra que está riscada do vocabulário de ELA VOLTA NA QUINTA, a não ser que seja para fazer uma negação, já que os personagens aparecem com seus trajes do cotidiano, sem maquiagem ou coisa do tipo. A fotografia também tem uma textura bem simples, sem o interesse de enfeitar a realidade. Uma fotografia cheia de filtros seria algo contrário às intenções do filme, cuja simplicidade só não é maior pois não se trata de uma obra que agradaria o grande público. É mesmo o caso de ser direcionado ao circuito alternativo, que já conta com um público mais preparado para o novo ou o diferente. Não sei o quanto a experiência de VENTOS DE AGOSTO, que foi exibido em cinemas de shopping, foi recompensadora. Ouvi depoimentos de pessoas revoltadas com o filme, inclusive. Se bem que é bem legal quando isso de vez em quando acontece. :)

Desses filmes que borram a realidade e a ficção em sua construção narrativa, talvez ELA VOLTA NA QUINTA encontre mais semelhanças com CASTANHA, de Davi Pretto, que também lida com um personagem real e mistura elementos de uma pessoa real com elementos inventados pelo roteirista/diretor. Mas o filme de Novais é bem menos sombrio e mais afetuoso.

Aqui, fica no ar até que ponto a crise no casamento de seus pais foi um elemento puramente fictício ou se foi inspirado em algo que já estava mesmo ocorrendo. Ou se a saúde frágil de sua mãe também já estava de alguma maneira presente.

As respostas para essas questões até seriam interessantes numa entrevista com o diretor, mas seria mais algo a acrescentar às nossas curiosidades em relação à vida alheia do que de fato um elemento que contribuiria para melhorar nossa admiração pelo trabalho do diretor, que se revela um autor de primeira linha que merece toda nossa atenção. Pra quem é fã de John Cassavetes, inclusive, eis mais uma razão para acompanhar seus trabalhos.

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