domingo, dezembro 14, 2008
ESTUPRO / PERVERSÃO
"- Seu Mojica, muito legal essa discoteca que o senhor montou. Antes, a gente tinha que policiar a Moóca inteira, agora é só aqui, porque os maus elementos estão todos reunidos!"
(A polícia, dando seu aval à discoteca que Mojica e seu filho, Crounel, construíram no final dos anos 70. Retirado do livro "Maldito", de André Barcinski e Ivan Finotti.)
Se no início dos anos 70, José Mojica Marins já estava em declínio artístico, imagina como a coisa estava no final. Mesmo assim, apesar de ser um trabalho grotesco, ESTUPRO (1979), cujo título foi mudado para PERVERSÃO quando do lançamento nos cinemas por "sugestão" da censura, ainda é um dos trabalhos mais fluidos e divertidos do diretor e que pode ser gostado pelas mesmas razões que muita gente o odeia. O filme pode facilmente entrar na categoria de horror, embora mostre mais a maneira como Mojica via a alta sociedade da época. Há vários momentos divertidos, com a picaretagem e o senso de humor a favor da produção. O diretor, além de usar na trilha sonora Pink Floyd e Paul McCartney, ainda utiliza o tema de A PONTE DO RIO KWAI, além do hit francês, campeão de apresentações de striptease em inferninhos, "Je t'aime moi non plus". Mas o mais divertido, envolvendo música, acontece quando, numa cena de briga na piscina, numa ponta de Satã, Mojica usa o tema de James Bond. E como Mojica é da bagaceira, toma uísque em copo de requeijão e trata de sacanear o sacrifício que é a ida ao teatro dos burgueses, embora no fundo a gente saiba que o que ele gostaria mesmo era de fazer parte dessa alta sociedade que ele finge esnobar e ficar rico com seus filmes, o que infelizmente não foi possível, já que o desempenho nas bilheterias de seu trabalho anterior, MUNDO – MERCADO DO SEXO (MANCHETE DE JORNAL) (1979) -, não havia sido lá grande coisa.
Em ESTUPRO, ele interpreta o protagonista/vilão do filme, um comendador muito rico que, em tempos de crise, chama a atenção da sociedade e das mulheres interesseiras da época. O filme começa e termina com uma cena grotesca. A cena final, inclusive, consta nos extras do DVD de DELÍRIOS DE UM ANORMAL (1978) e realmente impressiona. Na primeira cena, o comendador Vitório Palestrina leva uma jovem virgem para sua casa, para, depois do sexo, além de humilhar a moça, cometer a maldade de arrancar com os próprios dentes um dos mamilos da jovem. Que fica traumatizada e entra com um processo na justiça, mas, devido aos contatos do comendador e a corrupção do sistema judiciário, perde feio. E depois de perder, ainda tem que aturar a turma do bairro, que ao ficar sabendo do escândalo/tragédia da moça, fica feito crianças cantando em zombaria por ela só ter um mamilo. Completando o tom "pouco sutil", o comendador, depois de ganhar a causa, convida a todos para uma festa em sua casa, quando resolve mostrar o seu "troféu": o mamilo da jovem, guardado como jóia numa redoma de vidro.
Mas como diz o ditado – bem como uma das personagens do filme -: "um dia é da caça; o outro é do caçador". E como geralmente nos filmes do Mojica os vilões acabam se estrepando no final, a vingança viria na pele de uma bela mulher que o encanta completamente, não se fazendo de fácil como as outras, de modo que ele chega ao ponto de pedí-la em casamento. Ela é a estudante de medicina Verônica, interpretada pela loiraça Arlete Moreira, que tem em mente um plano de vingança para o asqueroso comendador. A essa altura, muita gente já sabe como termina a estória, digna dos melhores filmes de vingança de mulheres, mas não sou eu quem vai entregá-lo aqui. A cena final também tem o mérito de contrapor o grotesco da presença de Mojica, com seu barrigão e suas unhas enormes, com a beleza do corpo de Arlete, flagrado de maneira praticamente pornográfica. E isso acabou servindo de ponte para uma nova fase da carreira de Mojica. Após ESTUPRO/PERVERSÃO, o diretor não conseguiu lançar mais nenhum filme até meados dos anos 80, e não encontrou outra opção para garantir o seu sustento a não ser aderir ao marginal mundo dos filmes pornô da Boca do Lixo. Mas isso é uma história que a gente deixa pra outro dia.
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