quarta-feira, dezembro 03, 2008

ONDE ANDARÁ DULCE VEIGA?



Talvez o filme mais torto da curta mas expressiva filmografia do mais pós-moderno de nossos cineastas, ONDE ANDARÁ DULCE VEIGA? (2007), apesar de sua fragilidade no enredo e na interpretação (Carolina Dieckman, por exemplo, não convence como roqueira enjoada), o filme possui uma coerência dentro da obra de Guilherme de Almeida Prado que por si só já se constitui num trunfo para o seu trabalho, sempre recheado de femmes fatales e de um universo noir, com brumas onde seus personagens se instalam. Nem sempre brumas no sentido literal, mas do modo como eles se encontram, tateando um mundo estranho ao seu para atingir um objetivo.

A referência a outros filmes continua, bem como a preferência pelo passado, no caso, o passado situado na década de 80, no tempo em que as matérias dos jornais eram redigidas à moda antiga, com máquina de datilografia e colagem de fotos. ONDE ANDARÁ DULCE VEIGA? é baseado no romance de Caio Fernando Abreu e conta com estrelas que já apareceram em obras anteriores de Almeida Prado: Maitê Proença (como a personagem-título), Christiane Torloni, Júlia Lemmertz e Imara Reis. As quatro foram protagonistas dos quatro longas-metragens anteriores do diretor.

Mas apesar de Dulce Veiga ser a personagem mais importante do filme, o verdadeiro protagonista é Eriberto Leão, no papel de um escritor frustrado e desempregado que, depois de uma briga com a mulher, fica alegre e satisfeito quando é chamado para trabalhar na redação de um jornal na seção de variedades. Seu primeiro trabalho é entrevistar uma jovem cantora de uma banda de rock em ascenção (Carolina Dieckman), que não por acaso é filha de uma cantora que fez muito sucesso no passado e desapareceu misteriosamente: a Dulce Veiga do título. A imagem de Maitê Proença, na maior parte das vezes é vista através de memórias, delírios ou através das filmagens de um filme inacabado. Inclusive, na cena em que é mostrado o tal filme, o diretor da obra, o ex-marido de Dulce Veiga, diz com uma alegria de quem foi original que colocou uma lâmpada dentro de um copo de leite para efeito dramático, como Hitchcock fizera em SUSPEITA.

Maira Chasseroux, a garota bonita e simpática que eu conheci pessoalmente junto com o diretor durante a edição do "For Rainbow" deste ano, interpreta a assistente (e amante) da personagem de Dieckman. E não foi apenas por esse detalhe que o filme foi escolhido para abrir um festival de diversidade sexual. ONDE ANDARÁ DULCE VEIGA? é o filme mais gay da filmografia de Almeida Prado, tanto pelo fato de haver outros personagens homossexuais na trama, quanto por lembrar diversas vezes O DESESPERO DE VERONICA VOSS, do ativista e grande nome do cinema alemão Rainer Werner Fassbinder. O que acabou frustrando um pouco as minhas expectativas foi o quanto o filme cai da metade para o final. Principalmente no final, na Amazônia, que deveria ser ótimo, com o protagonista no fim de sua jornada. Mesmo assim, o filme tem o seu charme anacrônico e alguns momentos brilhantes, como a seqüência inicial, com Eriberto Leão ouvindo as reclamações de sua esposa (Júlia Lemmertz, sempre ótima) ou a cena da descoberta do enigma de Raudério (nome derivado de "how dare you?"). A construção fragmentada de memórias da edição também é um de seus trunfos. Num ano em que Walter Lima Jr. mandou um de seus piores filmes, Almeida Prado até que se saiu bem.

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