Confesso que, vendo estes trabalhos mais recentes de Abel Ferrara, tenho sentido muita saudade das obras-primas, das coisas mais malucas que ele fazia, muitas vezes sob influência de drogas, da década de 1990. Mas ao menos de uma coisa não posso me queixar: o cineasta continuou sempre fazendo um cinema muito instigante e provocativo e também muito coerente com seu trabalho. O interessante que ele faz em PASOLINI (2014) é que é um trabalho bastante arriscado, já que há a intenção de prestar tributo a um dos diretores mais importantes do cinema moderno italiano. E havia o risco também de abordar a morte dele, pesando a mão na violência.
Não que a violência não esteja presente, mas a situação que o cineasta fica, durante a agressão seguida de morte lembra mais o calvário de Jesus, trazendo para o personagem algo de cristão, que se mistura com o que havíamos visto antes, a sua persona mais mundana e vampírica, mais disposto a ir em busca da satisfação dos desejos que lhe falavam alto. Daí saía de carro à procura de rapazes que pudessem tanto saciar a vontade do sexo quanto diminuir um pouco a solidão. Ou seja, até então, já temos duas facetas de um mesmo personagem.
Antes disso, o filme também nos mostra o Pasolini pensador/filósofo, o Pasolini criador, o Pasolini apaixonado por cinema. Em determinado momento, o personagem afirma em uma entrevista que, mesmo que o mundo acabasse, ele continuaria fazendo filmes. Fazer filmes é o que mais lhe dá prazer. Não apenas isso: é uma necessidade do espírito. Essa necessidade intensa do fazer arte já havia sido mostrada na figura do cineasta que fica sozinho na sala de projeção em MARIA (2005) e na artista plástica que segue pintando no dia em que mundo vai acabar em 4:44 - O FIM DO MUNDO (2011).
Ferrara também nos mostra pelo menos dois projetos rascunhados pelo cineasta italiano. O primeiro deles parece um tanto deixado de lado, mas traz algumas cenas marcantes, como a da busca por sexo à noite com rapazes agressivos e a apreciação de uma palestra. O segundo projeto parece mais vivo e interessante, que é a dos dois homens que saem em busca da estrela de Belém. É um projeto que é mostrado com mais carinho por Ferrara, justamente por sua aproximação com o Catolicismo. Sem falar que é uma narrativa que se funde à cena da morte de Pasolini. Além do mais, que bom ver a cena do dia em que gays e lésbicas se juntam para fazer sexo entre si na cidade de Sodoma, na chamada "Festa da Fertilidade". Lembra bastante os filmes da trilogia da Vida de Pasolini.
Aspectos da vida familiar do diretor italiano também são explorados com carinho, em especial a figura da mãe, mas também a presença da adorável sobrinha e a amiga ligada ao cinema, vivida por Maria de Medeiros. Quanto a Willem Dafoe, no papel do diretor italiano, fica de vez em quando uma sensação de que seria melhor se um ator italiano mesmo fosse escolhido para o papel. Inclusive, Dafoe não se sentiu à vontade para falar italiano e por isso a maior parte de suas falas, e das falas em que ele conversa com as pessoas são em inglês. Relevando esse aspecto, isso deixa de ser um problema.
+ TRÊS FILMES
BOHEMIAN RHAPSODY
Uma alegria poder ver este filme no cinema e ainda mais na sala IMAX. Incomoda um pouco a confusão cronológica, mas ao que parece não foi por ignorância dos envolvidos, mas por opção mesmo. Ainda assim, para nós brasileiros, ver o show do Rock in Rio como se fosse nos anos 70 é bem nada a ver. Mas o filme é uma delícia mesmo assim, as canções são fodas, o elenco está bem representado e as cenas finais, no Live Aid, são arrepiantes. Direção: Bryan Singer. Ano: 2018.
ROMAN J. ISRAEL, ESQ.
Bem melhor do que eu previa e certamente uma das melhores interpretações de Denzel Washington. A história é envolvente e chega uma hora que bate uma angústia grande, quando o personagem passa a trair aquilo que acreditava. Vale muito ver. Direção: Dan Gilroy. Ano: 2017.
COM AMOR, VAN GOGH (Loving Vincent)
Uma espécie de CIDADÃO KANE sobre o mistério em torno da morte de Van Gogh. O projeto todo especial de animação é o que há de mais bonito no filme. Acho que por causa das dores no corpo a apreciação e o prazer do filme ficaram um pouco prejudicados. Aí saí com impressão de que há um problema de ritmo, não sei. Direção: Dorota Kobiela e Hugh Welchman. Ano: 2017.
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