terça-feira, junho 23, 2020

HARAKIRI

Nunca tinha experimentado fazer uma peregrinação com um vai e vem voluntário. Mas é mesmo deliberado isso, já que tenho mais dificuldades de ver os filmes mudos, e ganho muito entusiasmo quando vejo os clássicos falados. A intenção é ver todos os filmes de Fritz Lang. Creio que eu chego lá. Assim, volto agora no tempo para o seu segundo longa-metragem disponível, ainda que a cópia que eu tenha visto seja bem precária, mal dando para ver direito o rosto dos personagens.

HARAKIRI (1919) foi um filme feito entre os dois episódios de AS ARANHAS, mas é claramente uma obra muito mais modesta. Inclusive na duração (cerca de uma hora), seja pelos cenários, seja pelo uso mais corajoso da câmera, coisa que já se manifestava de maneira forte em AS ARANHAS: PARTE 1 - O LAGO DOURADO (1919), com o forte senso de aventura, mas principalmente pela produção mesmo.

Já HARAKIRI, por ter uma origem teatral, já tem por si só um caráter mais centrado nos atores. Não necessariamente nas falas, já que, por ser cinema mudo, economizava-se nas palavras. A peça do americano David Belasco, Madame Butterfly, inclusive, é querida do cinema e da televisão, tendo sido adaptada já diversas vezes. Ao que parece, Lang foi o primeiro a adaptá-la para o cinema.

É mais um filme desses do início da carreira de Lang que mostra certo fascínio pelas culturas exóticas, e provavelmente deve trazer algumas informações erradas sobre a cultura japonesa e o budismo. De todo modo, o que conta aqui é o tom de tragédia, que é o aspecto que mais chama a atenção e desperta algum interesse logo no começo, quando o pai da protagonista deve cometer suicídio com uso da espada. Sua filha vai, então, de futura sacerdotisa a gueixa e depois a esposa de um oficial da marinha europeu em muito pouco tempo. Dá impressão de que a narrativa é um pouco apressada ou atabalhoada, mas pode ter sido falta de atenção de minha parte.

Engraçado ver esses filmes em estado ruim de imagem, ainda mais sendo mudos e com personagens com os rostos todos brancos. Passa a impressão de que estamos vendo fantasmas, assistindo histórias de fantasmas. Dá um certo ar místico à experiência. Mas confesso que agradeço o fato de o filme só ter uma hora de duração. E sei que sua importância é mais por ser um treino e um aprendizado para o grande cineasta que estava surgindo.

+ TRÊS FILMES

NAUSICAÄ DO VALE DO VENTO (Kaze no Tani no Naushika)

Talvez na década de 1980 a mensagem ecológica e de amor aos bichos e à natureza fosse tão urgente quanto é agora, mas, por razões óbvias, fica difícil não imaginar que esse tipo de filme não se aplica ao momento atual. Segundo longa-metragem de Hayao Miyazaki, é uma ficção científica distópica que se passa em um mundo pós-apocalíptico, um universo que o cineasta cria de maneira bastante inventiva. E há essa heroína fantástica, que tem uma relação linda com os animais, chegando até a ter uma espécie de superpoder. Ainda acho que o filme cai um pouco com a chegada da rainha má e das guerras, mas isso faz parte. É preciso haver o problema. E Miyazaki estava só começando. Fiquei interessado no mangá, que deve sair pela JBC em breve. Ano: 1984.

A DESPEDIDA (The Farewell)

Bela comédia dramática sobre a reunião de uma família em torno da doença terminal da matriarca. É um filme que se pretende pequeno, inclusive nos gestos, que são contidos, mesmo quando alguns personagens não se aguentam e começam a chorar, como na cena do filho da matriarca ou a do neto, durante uma festa. A trama envolvendo uma mentira lembra um pouco o inferior ADEUS, LÊNIN!. Este é bem mais simpático e mais complexo na apresentação da união das culturas chinesa, americana e japonesa, já que a família mora em diferentes países. Mas quem brilha mesmo é Awkwafina, como a neta da Nai Nai. É através dela que muito do sentimento do filme é filtrado e chega ao espectador. Destaque também para o bem cuidado desenho de produção. Direção: Lulu Wang. Ano: 2019.

A MULHER QUE SE FOI (Ang Babaeng Humayo)

Achei um bocado inferior aos outros dois filmes do Lav Diaz que vi. Dá impressão de que o prêmio em Veneza foi mais pelo conjunto da obra, mas ainda assim tem a sua força. Também posso por a culpa no meu corpo fragilizado, que não estava aguentando ar condicionado pesado numa sala com uma dúzia (no máximo) de pessoas. Em outras circunstâncias, certamente teria gostado mais. Ano: 2016.

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