sábado, dezembro 20, 2014

MORANGOS SILVESTRES (Smultronstället)























Algumas pessoas têm uma sabedoria especial em lidar com as frustrações da vida. Como se elas já nascessem sabendo aproveitar cada oportunidade, sabendo o timing certo para dar o próximo passo de modo que a vida seja gentil com elas. Outras, no entanto, e creio estar enquadrado neste grupo, costumam sempre pensar naquilo que poderiam ter feito e não fizeram por algum motivo. No meu caso, tive/tenho o obstáculo da timidez, que quase sempre fez com que eu hesitasse. Há também os atos impulsivos, tomados no calor do momento, e que às vezes são tão ruins quanto não tomar uma decisão.

Aproveitando este momento de remoer o passado, ainda que um passado bastante presente, falo de MORANGOS SILVESTRES (1957), filme feito por um cineasta jovem, mas de espírito velho, tanto que seu alter-ego, digamos assim, chamado Isaak, é um senhor septuagenário (Victor Sjöström) que volta ao passado através da memória durante uma viagem de carro. Sua vida de êxito social (ele está prestes a receber uma homenagem, um título de Doutor Honoris causa em Lund) não compensa aquilo que tanto lhe aflige o espírito: o fato de que ele não é feliz.

Essa viagem melancólica pela juventude, quando encontra a garota por quem era apaixonado (Bibi Andersson) e que acabou se casando com seu irmão, se mistura também com um certo cansaço da vida, uma amargura. O próprio personagem se queixa de estar vivo, assim como sua mãe de 96 anos e seu filho de 48. É um quadro bastante depressivo, embora o filme possua até uma leveza, se comparado com GRITOS E SUSSURROS (1972) ou PERSONA (1966), que lidam mais explicitamente com a questão da depressão.

Aqui não é exatamente uma depressão, mas uma melancolia sombria. Tanto que o início do filme traz uma das sequências de pesadelo mais antológicas do cinema. Nela, Isaak caminha por uma rua deserta e vê um carro funerário que perde a roda e deixa cair um caixão. Dentro do caixão, para seu horror, ele encontra o seu próprio cadáver. E esse cadáver o pega pela mão e tenta levá-lo para dentro do caixão. Assim, a própria homenagem que Isaak vai receber tem um caráter fúnebre, como se fosse sua despedida da vida, uma maneira de lhe avisarem que o seu tempo por esse mundo já passou. Curiosamente, no mesmo ano Bergman dirigiu outro filme sobre a morte, O SÉTIMO SELO (1957).

MORANGOS SILVESTRES exige um estado de espírito calmo e propício para sua devida apreciação, mas nem por isso é um filme difícil, hermético. Ao contrário, é uma das narrativas de Bergman mais agradáveis de acompanhar, como se o cineasta estivesse se deixando levar pela fluidez da vida como um rio. E por uma sensação de que não adianta muito lamentar o que passou, embora lembrar aquilo que ainda representa tanto para si seja até bom para o espírito. Mesmo que a realidade esteja por perto para espantar a ilusão e a fuga, como na cena do espelho.

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