quinta-feira, novembro 29, 2012

MÃE E FILHA



Uma das coisas que mais impressiona em MÃE E FILHA (2011) é a luz. Seja no modo como ela entra nas portas e janelas das casas, seja quando vista durante a aurora. Não é uma luz estourada como em VIDAS SECAS ou CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS, mas uma luz suave, bela, propositalmente feita pelo cineasta Petrus Cariry para tornar os enquadramentos parecidos com pinturas. Segundo o diretor, Rembrandt foi uma referência forte no modo como ele construiu as imagens. Outro pintor que ele menciona é La Tour. Assim, logo se percebe que o diálogo deste segundo longa-metragem de Petrus Cariry se aproxima bem mais da pintura do que da literatura.

Inclusive, as palavras são muito poucas ao longo de sua metragem. Reinam os silêncios e os ruídos da natureza, seja o cantar dos pássaros, o barulho dos trovões ou o som produzido pelas personagens em atividade. E ainda que em certo momento quase sintamos o cheiro da manhã, MÃE E FILHA é um filme de opressões e angústias. Se, no início, o retorno da filha àquele universo parece ser prazeroso, aos poucos, o clima vai se tornando pesaroso e cada vez mais inquietante.

Na história, uma jovem (Juliana Carvalho) leva seu filho natimorto para receber as bênçãos de sua mãe (Zezita Matos), que habita em um casarão abandonado, numa cidade mais abandonada ainda. Trata-se da localidade de Cococi, no sertão dos Inhamuns, no interior do Ceará. A referida cidade-fantasma havia sido mostrada no curta-metragem DOS RESTOS E DAS SOLIDÕES (2006), também de Petrus Cariry.

Há, desde o início, uma relação conflituosa entre mãe e filha. A mãe quer que a filha tenha paciência a cada vez que ela lhe pede para enterrar o pequeno cadáver. Nota-se aos poucos que aquela senhora não quer se desligar do passado. Ela ainda acredita que o marido desaparecido voltará. E fica feliz com a chegada do neto, que embala nos braços como se o colocasse para dormir.

MÃE E FILHA também traz elementos fantásticos. Há a figura de quatro vaqueiros que aparecem de maneira misteriosa, como fantasmas esquecidos pelo tempo, mas ainda acolhidos pela velha mãe. Quem mais os acolheria naquele lugar totalmente abandonado? O próprio gado, quando mostrado em câmera lenta, parece também pertencer a uma outra dimensão.

O filme ganha ares majestosos, mesmo diante de tantos escombros, ao ouvirmos "The Funeral of Queen Mary", de Henry Purcell, arranjado pelo músico responsável pela trilha sonora, Hérlon Robson. Mas esse ar majestoso está relacionado sempre à morte e essa música dá ao filme algo que o torna diferente de outros trabalhos ambientados no sertão. Inclusive, o diretor rejeita essa divisão entre filme rural e filme urbano. No caso de MÃE E FILHA, esse suposto elemento diferencial deixa de ser de fato importante.

O que há de mais importante é o belo casamento entre a forma - a beleza dos enquadramentos, a ambientação das luzes e dos interiores, uma cidade-fantasma real como cenário - e o conteúdo - a angústia e a solidão que habitam o lugar e o interior daquelas personagens. MÃE E FILHA pode até não ser um filme fácil, mas é uma das mais belas realizações do cinema brasileiro dos últimos anos.

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