quinta-feira, junho 11, 2009

RICH AND STRANGE























"Lembro-me de que nesse filme duas pessoas conversam (…). Fiz com que desempenhassem uma cena em que ambos falam ao mesmo tempo – interrompendo um ao outro e superpondo suas falas. Tudo o que consegui com isso foi uma crítica em que o sujeito afirmava que os atores não sabiam as suas falas. E aquilo tinha me tomado meia hora de ensaios!"
Alfred Hitchcock em entrevista a Peter Bogdanovich ("Afinal, Quem Faz os Filmes")

Talvez o mais estranho dos filmes de Hitchcock. E isso de certa forma é um elogio. RICH AND STRANGE (1932) tem um quê de cinema mudo. Há o uso dos velhos intertítulos que não são simples divisões do filme em capítulos, embora hoje possa ser considerado como tal. A própria utilização do diálogo no filme só é usada depois de uns cinco minutos, onde vemos o protagonista saindo do trabalho e tentando ler um jornal num metrô lotado. É quando ele decide que quer mudar de vida, que aquilo que ele tem não é vida de fato. Ele desabafa para a esposa e em questão de minutos, como que por milagre, surge uma herança inesperada e, com uma boa soma em dinheiro, eles ingressam num cruzeiro que dá a volta ao mundo. O casal passa por diversos países do mundo e conhecem algumas pessoas no navio. Tanto o marido quanto a esposa acabam por ter casos com duas dessas pessoas que eles conhecem a bordo e isso, claro, afeta o relacionamento dos dois.

RICH AND STRANGE é cheio de altos e baixos, mas quando chega nos altos, é de dar gosto, parece uma obra saída da melhor safra de Hitchcock. O filme é uma espécie de road movie em alto-mar com direito a paradas em cidades às vezes bem exóticas. O último ato é particularmente superior aos demais, quando o navio no qual eles estão começa a afundar. É quando RICH AND STRANGE ganha ares de tragédia, de comédia, de ternura. Uma mix de sentimentos que tornam esse irregular e pouco lembrado trabalho de Hitchcock um dos mais interessantes da fase inglesa. A cena do resgate do casal por um navio de chineses é engraçada e curiosa em seus detalhes – o gato, a comida, o chinês que se afoga e ninguém mexe um dedo para ajudá-lo, as tomadas dentro do navio.

Outra vantagem do filme é que, diferente de obras anteriores como THE SKIN GAME (1931) e, principalmente, JUNO AND THE PAYCOCK (1930), em nenhum momento RICH AND STRANGE parece ser teatro filmado. Aqui Hitchcock faz um trabalho autenticamente cinematográfico. Talvez a semelhança com o cinema mudo seja uma espécie de volta às origens de cinema mais "puro" produzido nos anos 20 para poder em seguida dar um salto rumo à excelência narrativa e à inventividade visual que seriam características de muitos filmes seguintes. Pena eu ter visto o filme com uma legenda em inglês fora de sincronia que chegou a incomodar um pouco. Felizmente, lá pelo final do filme, a legenda entra um pouco mais nos eixos.

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