quinta-feira, fevereiro 26, 2004

ERASERHEAD



Finalmente, depois de anos de expectativa e graças à camaradagem dos amigos (no caso, o Herbert) e às facilidades que a internet proporciona, consegui uma cópia muito boa de ERASERHEAD (1977), o filme de estréia de David Lynch. E o que eu tenho a dizer? Que Lynch começou arrebentando e já emplacou uma obra-prima logo no comecinho da carreira. Ele pertence ao grupo dos que chegaram abalando de que fazem parte Tarantino, Truffaut, Godard, Leone e Romero.

Com pouquíssimos diálogos, andamento lento, belíssima fotografia em preto e branco e as esquisitices típicas do cinema de Lynch, ERASERHEAD dá início a uma série de símbolos que apareceriam em várias outras obras do diretor.

Algumas das características presentes em várias obras de Lynch e que estão presentes no primeiro longa-metragem:

- O zoom adentrando a escuridão surge em ERASERHEAD, revelando ou penetrando um mundo misterioso, assim como acontece nas cenas da orelha escondida na grama em VELUDO AZUL (1986) e da caixa azul em CIDADE DOS SONHOS (2001).

- A loira e a morena. Em VELUDO AZUL, Jeffrey se divide entre o amor inocente da loira Sandy e a explosão de sensualidade da morena Dorothy. Na série TWIN PEAKS (1990), Sheryl Lee personifica tanto a misteriosa Laura Palmer (loira) quanto a sua prima Madeline(morena). Em A ESTRADA PERDIDA (1997), Patricia Arquete é uma loira que morre e retorna no corpo de uma morena na mente do protagonista. Em CIDADE DOS SONHOS e DARKENED ROOM (2002), também vemos as figuras de uma loira e uma morena fazendo contraste. Tudo isso, já estava presente em ERASERHEAD: o protagonista tem um filho com uma loira e sente-se atraído pela prostituta morena que mora no apartamento vizinho.

- A planta no quarto já era uma idéia presente e explorada mais profundamente no curta THE GRANDMOTHER (1970).

- O próprio título do filme (eraserhead, cabeça de apagador) já é um símbolo na filmografia de Lynch. Numa cena espetacular de ERASERHEAD, a cabeça de Henry é reciclada e transformada num apagador de lápis. Apagar é verbo chave. Apagar da memória lembranças traumáticas. Como Bill Pullman, que depois de matar a esposa em A ESTRADA PERDIDA, muda de personalidade para fugir do inferno da realidade. Da mesma forma, Naomi Watts, depois de matar a mulher amada, decide inventar uma nova vida pra si em CIDADE DOS SONHOS.

- As cortinas escuras (geralmente vermelhas) como num teatro. Como na abertura de cada episódio de RABBITS (2002). Como no Clube Silenzio de CIDADE DOS SONHOS ou no Red Room de TWIN PEAKS e TWIN PEAKS: OS ÚLTIMOS DIAS DE LAURA PALMER (1992).

- A figura de uma mulher cantando também se inicia em ERASERHEAD. No caso desse primeiro filme, Lynch preferiu colocar uma mulher com deformações no rosto, em vez das mulheres bonitas ou de voz angelical presentes nos filmes posteriores, como Isabella Rosselini (VELUDO AZUL), Julee Cruise (TWIN PEAKS: OS ÚLTIMOS DIAS DE LAURA PALMER) e Rebekah Del Rio (CIDADE DOS SONHOS e RABBITS).

Na trama de ERASERHEAD, Henry Spencer (interpretado por Jack Nance, ator assassinado em 1996) é obrigado a se casar com Mary X, que segundo a família da moça, acabou de ter um filho seu. O problema é que o filho deles tem uma aparência monstruosa e Henry vê a sua vida se tornar um pesadelo, forçando-o a procurar um paraíso dentro de seu inconsciente, de seus sonhos.

O filme levou cinco anos pra ficar pronto. No meio das filmagens, acabou o dinheiro e Lynch teve que suspender a produção durante um tempo. Lynch tem um histórico de dificuldades de conseguir financiamento para seus filmes que continua até os dias de hoje.

Sobre a interpretação dos simbolismos presentes no filme, o cineasta não falava nada nem para o elenco. Segundo ele, seus filmes são comparados ao teste de Roscharch e a interpretação de qualquer espectador é válida. Até mesmo os efeitos especiais usados na criatura são guardados em segredo. Lynch não quer que seu trabalho seja analisado apenas como um efeito técnico, mas como algo tão misterioso quanto a temática do filme.

Bom, agora já posso dizer que vi todos os curtas e longas do Lynch. Mas pra ficar completo precisaria ver os episódios da série ON THE AIR (1992) e da segunda temporada de TWIN PEAKS, bem como o musical surrealista feito para a tv INDUSTRIAL SYMPHONY No. 1: THE DREAM OF THE BROKEN HEARTED (1990). Espero um dia conseguir vê-los.

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