domingo, abril 28, 2024

RIVAIS (Challengers)



Quando saí da sessão de LA CHIMERA, de Alice Rohrwacher, na quinta-feira passada, comentei com meu amigo Walker sobre o fato de não gostar muito de nenhum cineasta italiano surgido neste século. Mas acho que porque havia me esquecido de Luca Guadagnino, talvez por ele ter se tornado um cineasta internacional já faz algum tempo. Se bem que seu primeiro longa, THE PROTAGONISTS, é de 1999, mas acho que só fui saber de sua existência com 100 ESCOVADAS ANTES DE DORMIR (2005), e na época o chamariz estava mais em torno da adaptação do romance picante do que em qualquer outra coisa. De todo modo, podemos considerar Guadagnino como um diretor do século XXI, sim.

Levando em consideração o que eu pude ver até o momento de sua filmografia, vejo o cinema do diretor como de reinvenção – e talvez por isso não seja sempre abraçado com unanimidade. Foi uma reinvenção quando ele tentou fazer um remake de SUSPIRIA, de Dario Argento, em 2018 (SUSPÍRIA – A DANÇA DO MEDO); foi reinvenção quando ele contou uma história de canibais em ATÉ OS OSSOS (2022); foi reinvenção quando ele contou uma história de amor e descoberta juvenil entre dois homens em ME CHAME PELO SEU NOME (2017). Agora ele reinventa o filme de jogadores de tênis. E talvez ele tenha feito o melhor do subgênero desde LAÇOS DE SANGUE, de Ida Lupino, filme do início dos anos 1950. É importante notar que os três filmes de Guadagnino citados acima lidam com o sexo, de uma maneira ou de outra. (Ou seriam sobre sexo?)

RIVAIS mostra um diretor em pleno domínio de seu ofício, contando a história de um triângulo amoroso entre três esportistas do tênis. Ele faz uso de campo e contracampo e de câmeras chicoteando lá e cá nas disputas na quadra de modo a conferir dramaticidade à trama. Uma trama que vamos conhecendo no engenhoso vai-e-vem temporal, nos passeios entre passado e presente. Há também uso de efeitos digitais muito interessantes nas cenas de jogos. 

A primeira viagem ao passado é muito empolgante, quando a dupla de jovens jogadores de tênis vividos por Josh O'Connon (que está em LA CHIMERA também) e Mike Faist se mostram, ambos, muito interessados em Zendaya, uma jovem esportista cheia de autoconfiança e com um futuro brilhante pela frente. Para eles, ela é uma das mulheres mais sensuais que já viram. E por isso o interesse dos dois por ela parece mais do que uma disputa, parece um jogo em que a rivalidade de ambos também se apresenta como uma espécie de jogo erótico sutil. Gosto do jeito mais cafajeste de O’Connor, mas uma de minhas cenas favoritas de intimidade entre o trisal é uma bem melancólica, envolvendo Faist e Zendaya, na véspera do jogo.

A cena dos três juntos no mesmo quarto já ganhou seu lugar entre as mais memoráveis do ano. É dessas cenas de deixar sorrisos em salas inteiras de cinema mundo afora. Adoro as perguntas que a personagem feminina faz a eles, sobre suas intimidades, para logo em seguida dar a entender que o sonho de os dois transarem com ela ao mesmo tempo pode não estar tão distante assim. É bom ver que o cinema contemporâneo ainda tem espaço para cenas quentes e provocantes. Imagino que, para as novas gerações, uma cena como essa até ganhe certo ar de novidade e excitação. E há, claramente, cenas com maior ou menor apelo homoerótico. Inclusive, muito do sucesso de bilheteria do filme está vindo de sua ligação com as plateias LGBTQI. 

Zendaya, como uma das produtoras do filme, sabe muito bem o que está fazendo com sua carreira ao trazer tanto fortaleza quanto sensualidade para seus papéis, saindo, inclusive, do padrão físico então adotado em Hollywood. Além de tudo, a jovem atriz se confirma como uma das mais importantes do momento, ao estrelar justamente dois dos mais interessantes filmes deste início de ano  – o anterior é DUNA – PARTE DOIS, de Dennis Villeneuve. Essa menina vai longe.

Ah, e a trilha é ótima e de autoria da dupla Trent Reznor e Atticus Ross, tradicionais colaboradores dos filmes de David Fincher.

+ DOIS FILMES

GARRA DE FERRO (The Iron Claw)

Certos filmes baseados em histórias reais ganham muito mais quando não sabemos absolutamente nada a respeito. E é o caso de GARRA DE FERRO (2023), de Sean Durkin, que nos leva ao mundo da luta livre no Texas, esporte brega, extravagante e muitas vezes cômico, mas que pode trazer situações dramáticas incríveis no cinema (vide O LUTADOR, de Darren Arronofsky). Aqui temos a história de uma família de lutadores de wrestling, irmãos que são encorajados pelo pai, lendário lutador no seu tempo, a ingressar no meio. Zac Efron está bem diferente como o irmão mais velho que sente a necessidade e a vontade de estar com os mais novos. Trata-se de um personagem que vai crescendo ao longo do filme, à medida que sua posição de protagonista vai se tornando cada vez maior. As surpresas da narrativa, no que se refere à tal maldição da família, ajudam a trazer um tom cada vez mais sombrio a uma história que parece a princípio apenas curiosa. Num filme cheio de testosterona, duas personagens femininas se destacam de diferentes maneiras. A matriarca, vivida por Maura Tierney, é uma espécie de mãe que aceita a filosofia de vida do marido (Holy McCallany), enquanto Lily James é a esposa carinhosa que auxilia na transformação do marido num homem mais confiante. Não à toa, o destino do personagem de Efron é diferente dos demais irmãos. O filme também tem o mérito de nunca subestimar a inteligência da audiência, como na cena da moto, e ainda faz uso do elemento surpresa a ponto de causar espanto e tristeza. Desde já, um dos melhores lançamentos da safra recente.

FERRARI

A última vez que havia visto um Michael Mann no cinema foi com INIMIGOS PÚBLICOS (2009), um belo e subestimado filme de gângster. Depois veio o fracasso de HACKER (2015), que vi na telinha, e acho que nem chegou aos cinemas brasileiros. O retorno com esta biografia de Enzo Ferrari (vivido por Adam Driver), o então dono da fábrica de automóveis luxuosos e principalmente de corrida, foca num momento bastante conturbado de sua vida, com a leve pressão da amante doce (Shailene Woodley), o olhar de insatisfação e ira da esposa em luto (Penélope Cruz), e um fato que iria modificar sua vida, mostrado perto do final da narrativa. Usando tons mais soturnos para contar essa história, o cineasta valoriza os espaços em que os personagens se colocam pela tela, e faz uma obra um tanto fria e prejudicada pelo sotaque italiano. Duvido que se FERRARI (2023) fosse um filme que se passasse na França colocassem o povo falando inglês com sotaque francês; ou se fosse na Alemanha etc. Assim, demorei metade do filme para me acostumar com esse “detalhe”, que já não deu certo com CASA GUCCI, e que poderia muito bem ser completamente limado. Há algo nos rostos de alguns personagens que é curioso: passam como fantasmas ao longo da narrativa, casos de Sarah Gadon e do próprio Gabreil Leone. É como se a câmera quisesse evitá-los. Não sei o quanto isso é proposital (teria associação com a culpa do protagonista?), mas o resultado não deixa de ser curioso e interessante. Na verdade, estava incomodado com a projeção que ficou tremida durante metade do filme, e que foi regularizada (acho que com o desligamento do ar condicionado) na metade seguinte. Curiosamente, foi a mesma sala (Vip) onde vi, com os olhos brilhando de alegria, POBRES CRIATURAS, de Yorgos Lanthimos, em toda sua glória e resplandecência.

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