sábado, abril 13, 2024

A PRIMEIRA PROFECIA (The First Omen)



Na década de 1970, havia dois movimentos distintos ocorrendo e ambos repercutiam na cultura, nas artes, seja no cinema, seja na música. Ao mesmo tempo em que havia uma espécie de pânico em relação ao satanismo, havia também uma certa simpatia, principalmente por parte dos jovens dispostos a enfrentar as instituições de autoridade, e a igreja era uma dessas instituições. Uma simpatia que nascia da rebeldia. Por isso, quando os Rolling Stones tocavam “Sympathy for the Devil” ou Raul Seixas cantava “Rock do Diabo”, eles estavam mais querendo trazer choque para a sociedade mais tradicional da época do que exatamente convidar adeptos para cultos de invocação ao demônio.

Enquanto isso, o cinema refletia esse medo do satanimo em diversos títulos, como OS DEMÔNIOS, de Ken Russell, O EXORCISTA, de William Friedkin, SATÂNICO PANDEMONIUM, de Gilberto Martínez Solares, A SENTINELA DOS MALDITOS, de Michael Winner, UMA FILHA PARA O DIABO, de Peter Sykes e Don Sharp, entre outros tantos. E há A PROFECIA (1976), de Richard Donner, um dos grandes clássicos do gênero e que lida com o tema da chegada do Anticristo. De certa forma, pelo que me lembro, não chega a ser tão transgressor quanto O BEBÊ DE ROSEMARY, de Roman Polanski, ou O EXORCISTA, feito por cineastas mais simpatizantes da ambiguidade. Assim, se enquadraria bem mais num filme de terror mais católico.

A PROFECIA, depois de ganhar algumas sequências que, dizem, não são boas, recebeu uma refilmagem em 2006, dirigida por John Moore, que resultou numa obra bem esquecível. E aí, quando menos esperávamos, e dirigido por uma cineasta estreante, a jovem Arkasha Stevenson, no meio de vários filmes de horror ruins no circuito mais mainstream, chega o ótimo A PRIMEIRA PROFECIA (2024), uma prequel do filme de Donner. E que grata surpresa.

O filme já encanta de cara, com sua beleza plástica, seu cuidado com a reconstituição de época (anos 1970), inclusive com uma fotografia que emula a dessa década. Até o andamento da trama é mais lento, o que pode causar alguma estranheza em certos espectadores. O brilhante filme de Stevenson anda com suas próprias pernas, e até pode ter uma continuação, já que sua protagonista é encantadora e a trama pode seguir em paralelo à trama onde começa o filme de 1976. Além do mais, há todo um cuidado em nos levar junto a ela pelas ruas de Roma, e a conhecer até boates da cidade. 

Na história, Nell Tiger Free (da ótima série SERVANT), é uma jovem americana que começa a se preparar para a vida de freira em Roma, quando percebe que há uma ala demoníaca dentro daqueles muros. A atriz, mais uma vez brilhante, está tão bem no papel que o filme parece não querer se desgrudar dela. Não sou tão apreciador de filmes sobre profecias de anticristo (acho datados, muito anos 70), mas o grande mérito do filme de Stevenson é que a sua maior preocupação é na construção da atmosfera e em cenas de impacto visual. E isso a diretora consegue fazer unindo elegância e uma sabedoria em lidar com a iconografia católica em prol do horror.

Há uma cena, inclusive, que me fez lembrar a dobradinha MADRE JOANA DOS ANJOS e OS DEMÔNIOS, o que eu encaro como um grande elogio, e há outra que faz lembrar POSSESSÃO, de Andrzej Zulawski, quando a protagonista começa a ver coisas e a gritar enlouquecida na rua. O interessante também é que, por mais que o filme seja um pouco mais longo do que o habitual para o gênero, não há cenas desnecessárias. Mesmo os jump scares gratuitos (são poucos) não incomodam. Além do mais, o primeiro jump scare é apavorante de fato e impõe uma relação de respeito entre filme e espectador. E a cena do parto... poxa...incrível. 

Fico feliz em ver uma nova diretora surgindo no gênero e acredito que seu futuro será brilhante, por essa amostra incrível que é A PRIMEIRA PROFECIA. Além do mais, sendo ela uma diretora, acredito que isso contribui para que o ponto de vista feminino da protagonista (e da maioria dos personagens do filme), incluindo seus medos e traumas, seja ainda mais favorecido e valorizado. Ah, e o filme tem a Sônia Braga, muito bem, como uma freira ameaçadora. E também gosto muito da atriz que faz a noviça que mora com a personagem de Tiger Free, uma jovem espanhola lindíssima chamada María Cabellero. Acho um charme quando ela aparece vestida de freira, com maquiagem caprichada e sensual nos olhos. Ou seja, além de tudo, A PRIMEIRA PROFECIA ainda se aproveita das coisas atraentes que o ciclo dos nunsploitation trouxe.

+ DOIS FILMES

FALE COMIGO (Talk to Me)

De vez em quando algum pequeno filme de horror australiano ganha os holofotes mundiais. Creio que FALE COMIGO (2022), de Danny e Michael Philippou, teve maior repercussão que, por exemplo, WOLF CREEK – VIAGEM AO INFERNO e O BABADOOK, para citar dois títulos das últimas duas décadas. E o que me ganhou neste novo exemplar foi o quanto ele é carregado de surpresas, e também o quanto ele adentra territórios muito mais sombrios do que estamos acostumados a ver. Não se trata apenas de um filme sobre possessão envolvendo uma mão misteriosa, mas é também um filme sobre traumas, sobre inconsequência juvenil, sobre desespero e desesperança – e ainda pode ser uma alegoria sobre o uso de drogas pesadas. O filme tem uma mudança de chave para um território mais pesado em determinado momento do jogo da possessão, por assim dizer, e daí em diante as coisas só ficam mais e mais bizarras. Com o sucesso, uma continuação está a caminho. E espero que os diretores não percam a mão na sequência. Sem trocadilhos.

A BRUXA DOS MORTOS – BAGHEAD (Baghead)

Nem dá para dizer que Alberto Corredor copiou os irmãos Philippou, de FALE COMIGO, com a história de ter contato com os mortos por uma janela de tempo muito pequena. Afinal, Corredor já havia feito um curta em 2017 de nome BAGHEAD, que inspirou o longa. O resultado, A BRUXA DOS MORTOS – BAGHEAD (2023), não foi essas maravilhas todas, mas há alguns momentos muito bons. E isso acaba me deixando esperançoso para os novos trabalhos do diretor. Gosto, por exemplo, da cena em que a protagonista (Freya Allan) adentra o buraco onde fica a bruxa encapuzada. Aliás, a ideia de uma bruxa que aparece com um capuz é muito boa. Acentua o tom de terror. Também gosto bastante da conclusão, principalmente pelo aspecto plástico. Uma pena que o filme já começa com um prólogo desanimador, mas gosto dos problemas que surgem à medida que a jovem herdeira fica mais tempo na velha casa. A jovem Freya Allan parece ter futuro em Hollywood: em breve a veremos em PLANETA DOS MACACOS – O REINADO.

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