Não sei onde estava com a cabeça por ter demorado tanto tempo a assistir esse filme nos cinemas, em cartaz há um mês. O HOMEM QUE ENGARRAFAVA NUVENS (2010) é um dos melhores representantes da safra de documentários brasileiros que tratam da história da nossa música. O resgate da vez é do compositor Humberto Teixeira, mais conhecido como o parceiro de composição de algumas das mais famosas canções do repertório de Luiz Gonzaga, como "Estrada de Canindé", "Asa Branca" e "Assum Preto". Ele era o intelectual da dupla, enquanto que Luiz Gonzaga se aproximava mais da simplicidade do povo. O documentário, dirigido por Lírio Ferreira e produzido pela filha de Teixeira, a atriz Denise Dummont, assume vários papéis, mas no final constrói um todo harmonioso.
O filme traça um painel da história de sucesso do baião, que surgiu no Sudeste, inventado por nordestinos, e se espalhou por todo o país. Há interessantes curiosidades histórico-culturais, contadas numa narrativa gostosa de acompanhar e com imagens de arquivo que nos situam no clima da época (décadas de 40 e 50). Se Luiz Gonzaga era o "Rei do Baião", Humberto Teixeira era o "Doutor", termo usado tanto pelo fato de ele ser formado em Direito como por ele ser o erudito da dupla. Além do registro histórico, o documentário tem o seu lado de busca da identidade do homem, realizada pela própria filha, que não conheceu o pai muito bem. E essa relação complicada, tanto de Denise Dummont com o pai quanto com a mãe rendem alguns dos momentos mais emocionantes do filme. A cena da conversa de Denise com sua mãe, nos Estados Unidos, é de arrepiar.
E é dos Estados Unidos também que vem outro dos momentos mais empolgantes do filme: David Byrne cantando sua versão em inglês de "Asa Branca". Não faltam nomes famosos da música brasileira no documentário, que até poderia ser maior, se as canções fossem ouvidas todas na íntegra. Quem sabe numa edição especial em dvd isso acontece. Mas acho que foi um decisão acertada cortar as canções. Assim o documentário fica com a metragem ideal e não cansa a plateia. Alguns nomes famosos que participam do filme: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Betânia, Cordel do Fogo Encantado, Fagner, Belchior, Otto, Lenine, entre outros. Inclusive, há um detalhe interessante de movimentação de câmera quando vemos o reflexo de Caetano, enquanto ele canta uma composição sua ("Terra"), que cita Humberto Teixeira. Adorei também ver as imagens de Gal Costa nos anos 70 e ouvir um trecho de sua gravação de "Assum Preto". Dói no coração sempre que escuto essa versão, do disco A TODO VAPOR.
Dessa maneira, O HOMEM QUE ENGARRAFAVA NUVENS trafega o difícil caminho de ser ao mesmo tempo um documentário musical, histórico, investigativo e sentimental e sendo bem sucedido em todas as suas facetas. Alguns momentos até parecem pouco relevantes, mas são tão bons que seria injusto retirar, como o depoimento do homem que conserta sanfonas. A parte de Raul Seixas também pareceu um pouco deslocada do jeito que foi incluída, perto do final, mas também é de grande importância. Há uma cena que mostra Raul emendando um rock and roll e um baião sem mudar o ritmo no violão para provar a semelhança dos dois gêneros musicais. Talvez também as rápidas imagens no final de Denise em alguns filmes que fez nos anos 80 não fossem necessárias, mas como sou fã da atriz (até escrevi sobre ela uma vez para o site Mulheres do Cinema Brasileiro), não sou eu quem vai reclamar. Inclusive, adoraria ver um documentário sobre a carreira da atriz, sua infância com um pai distante e uma mãe ausente e a série de filmes picantes que realizou. E que casarão aquele onde ela morava com o pai, hein! Chamava-se Mandalay, em homenagem à mansão do filme REBECCA - A MULHER INESQUECÍVEL, de Alfred Hitchcock. Também achei muito bonito ver que ninguém arredou o pé do cinema quando os créditos subiram. Demonstra respeito e amor pelo filme e pela música.
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