Alain Resnais é um dos poucos sobreviventes da turma que revolucionou o cinema francês nos anos 1960. Embora eu prefira Chabrol e Rivette entre os vivos (Godard é um caso à parte), Resnais tem grande e inegável importância e um séquito de seguidores fiéis que festeja a cada filme seu lançado nos cinemas. Mas tenho que confessar que achei BEIJO NA BOCA, NÃO! (2003) aborrecido e não me entusiasmei tanto assim com MEDOS PRIVADOS EM LUGARES PÚBLICOS (2006). Para completar, vou ao cinema assistir ERVAS DANINHAS (2009) na cópia adulterada digital que está circulando pelo país e sinto sono. Cochilei em vários momentos, mas foi por causa de minha crise alérgica. Mesmo assim, é o filme que eu mais gostei dentre os três, por suas ousadias formais e seu final maluco. Nem parece a obra de um senhor de 87 anos.
O filme começa com uns movimentos de câmera sinuosos e belos, como se à procura de algo e ao mesmo tempo se deliciando com o que vê. As primeiras aparições dos personagens trazem certo suspense. Marguerite, a personagem de Sabine Azéma, por exemplo, é mostrada primeiro de costas, acentuando seus cabelos vermelhos e volumosos, bem parecido com o mostrado no belo cartaz. Já Georges (André Dussollier), por exemplo, não é apresentado com tal expectativa, mas é um personagem dos mais interessantes. Ele é um senhor neurótico que tem vários problemas, mas um deles é pensar demais. E essa é uma das razões para que seu mundo interior seja um inferno.
Enfrentar a dúvida sobre fazer ou não coisas simples como ligar para uma pessoa e informar que encontrou seus documentos é para ele um suplício. Mas isso porque ele começa a fantasiar sobre a mulher, a acreditar que ela pode ser a mulher da sua vida ou algo do tipo, a fazer conjecturas sobre o que poderia acontecer. Eu, que também acabo pensando demais, fantasiando demais, e costumo hesitar se não agir logo de impulso, sei bem o que é isso e até me identifiquei um pouco com o personagem, nesse sentido. Poucas vezes esses embates interiores foram tão bem mostrados no cinema. No cinema americano, isso talvez fosse mostrado sem a voice-over, sem o fluxo de pensamentos do personagem, mas no cinema francês, que já tem essa característica mais verborrágica, é completamente compreensível que isso ocorra. E eles são muito bons nisso, no filosofar, no refletir, no teorizar. E sabemos o quanto esses pensamentos podem levar a momentos de iluminação, mas também podem levar a lugar nenhum, ao atraso na ação.
Eu, sinceramente, não saberia interpretar o filme. E provavelmente uma das intenções de Resnais é mesmo fundir a cuca do espectador. Mas mesmo que seja um trabalho de difícil compreensão na busca de seus significados, trata-se de uma obra envolvente e fora dos padrões a que estamos acostumados a ver. O que inclui ERVAS DANINHAS numa categoria especial de cinema. Pena que, como eu disse, a cópia da Rain não respeite a janela correta do filme, que era para ser em scope. E apesar de a cópia estar melhor do que a maioria, menos escura, o filme, com sua fotografia exuberante, seria certamente muito mais valorizado se exibido da maneira correta.
P.S.: Como trabalho do curso de especialização que estou fazendo, preparei uma tradução de um artigo recente publicado no New York Times. Escolhi, claro, um tema relacionado ao cinema. É um artigo sobre ILHA DO MEDO, o novo trabalho de Martin Scorsese, que eu estou disponibilizando aqui pra vocês conferirem. Eu gostei do texto original. Quanto à tradução, estou aceitando críticas construtivas, correções etc. :)
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