terça-feira, fevereiro 16, 2010

GRADIVA (C'est Gradiva qui Vous Appelle)






















Não tinha conhecimento da obra de Alain Robbe-Grillet até vários meses após a sua morte. Além de ter baixado GRADIVA (2006), também peguei outro filme seu que talvez seja mais conhecido, LA BELLE CAPTIVE (1983), que a julgar pelo título deve mostrar também as obsessões do diretor pelo fetiche de se estar acorrentado. GRADIVA fez um "estrago" tão grande em mim que me inspirei a escrever um conto pornográfico, coisa que não fazia há vários anos.

O erotismo do filme é ligado ao sonho. E o desejo parece ainda mais forte quando está no universo onírico. Pois ele se liberta das amarras. Amarras morais e lógicas. Quando se sonha, não há necessidade de lógica, embora ainda se consiga encontrar alguma, através de ligações com o mundo "real". Como Robbe-Grillet é um intelectual moderno, as referências à arte e à filosofia pontuam o seu trabalho. O próprio nome do protagonista (John Locke) já diz isso, como também sua obsessão pelo trabalho do pintor romântico Eugène Delacroix. Incialmente, a preocupação de John Locke era com seus estudos sobre a mulher como objeto. Ele está muito bem acompanhado numa casa em estilo rústico em Marrakesh. Tem ao seu lado uma assistente que também lhe serve como amante – ou escrava do prazer, pois ela aceita se deixar amarrar na cama para satisfazer as fantasias de seu mestre a quem é devotada.

A jornada surreal de John Locke em Marrocos se dá com mais intensidade quando ele conhece um clube proibido, onde jovens são sequestradas para rituais de sadomasoquismo e tortura. E tome cenas de mulheres sendo sangradas, chicoteadas, acorrentadas. E tudo isso é estranhamente belo. O filme mostra a incrível capacidade do ser humano de ver a beleza não apenas no corpo nu feminino, mas também no sangue e nas marcas do sofrimento. Mas essa é apenas uma das discussões que o filme provoca, pois há também todo o jogo temporal envolvendo Gradiva. Passado, presente e sonhos se confundem e o melhor é mesmo se deixar levar. Até porque com um grau tão elevado de temperatura erótica, nem dá pra pensar direito. Nossos pensamentos ficam tão nublados quanto os do protagonista, que chega a tomar qualquer líquido que lhe dão, seja veneno ou remédio para dor de dente.

Pra quem ainda não sabe, Robbe-Grillet foi o roteirista de O ANO PASSADO EM MARIENBAD (1961), clássico de Alain Resnais, além de autor de vários romances. GRADIVA foi seu filme-testamento.

Para os afortunados que estarão em São Paulo, GRADIVA será exibido amanhã na Sessão Dupla do Comodoro junto com SZMANKA, de Andrzej Zulawski.

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