domingo, fevereiro 21, 2021

CONTO DE VERÃO (Conte d'Eté)



Para usar de eufemismo, não me considero um sucesso no que se refere a relacionamentos amorosos. Por outro lado, ou talvez por causa disso, tenho uma atração forte por filmes que lidam de maneira inteligente e delicada com o assunto. E nisso Éric Rohmer é mestre. CONTO DE VERÃO (1996) me deixou sorrindo de orelha a orelha em toda sua metragem, mesmo lidando com algo que poderia me deixar bastante incomodado, que é a incapacidade ou dificuldade de um rapaz de escolher entre três garotas. E por mais que possamos considerar isso um privilégio de poucos, acompanhar a confusão que isso se acumula na vida do rapaz, de maneira descontraída, é uma operação de mestre desse que é um dos cineastas mais queridos do mundo. De certa maneira, é possível fazer uma comparação justa entre este filme e as comédias de Shakespeare, no modo como se tece com inteligência o enredo.

Foi a segunda vez que vi CONTO DE VERÃO e novamente no cinema. Olha que sorte a minha. A primeira vez foi em uma pequena mostra exibida no Cinema de Arte no Iguatemi no início dos anos 2000, que trazia todos os quatro contos das estações e mais A INGLESA E O DUQUE (2001). Ou seja, para mim foi uma descoberta fenomenal. Considero CONTO DE VERÃO um dos meus favoritos dos quatro contos, embora costume ter uma queda talvez maior por CONTO DE INVERNO (1992), por sua natureza mais romântica e filosófica.

CONTO DE VERÃO já tem um ar um pouco mais pragmático no modo como apresenta as relações. Sem falar que mostrar pessoas bem jovens é também um modo de celebrar a existência nessa época da vida, ainda mais se lembrarmos que Rohmer já era um septuagenário na época da realização desses filmes.

Na trama, o jovem e belo Gaspard é vivido por Melvil Poupaud (que aparece em papel menor em VERÃO DE 85, clara homenagem de François Ozon ao filme de Rohmer). Ele está tirando férias em Dinard, bela cidade litorânea na região da Bretanha, e no primeiro dia conhece Margot (Amanda Langlet), uma simpática garçonete. Margot claramente se mostra interessada no rapaz, a julgar pelo modo como o aborda na praia. Ele, por sua vez se mostra um pouco intimidado. Gaspard havia marcado um encontro com sua namorada (ou quase) Léna (Aurelia Nolin), e por isso talvez houvesse um medo da parte dele de se envolver com outra pessoa.

Enquanto Léna demora a chegar, a amizade entre Margot e Gaspard vai se tornando cada dia mais próxima, embora Gaspard prefira muitas vezes a companhia de seu violão, especialmente à noite. As conversas e os passeios na área da praia são envolventes e agradáveis e o elo entre os dois cresce. Nós, do lado de cá da tela, ficamos encantados com Margot, com sua naturalidade e também com sua beleza comum. Acontece que aparece outra garota na jogada, Solène (Gwenaëlle Simon), que por ter uma natureza mais prática, além de uma poderosa presença sexual, se aproxima mais rapidamente de Gaspard, não ficando no platonismo. Os dois viajam para a casa de um tio dela e encontram mais coisas em comum do que esperavam - como o gosto pela música, por exemplo. Naturalmente, a cabeça de Gaspard já devia estar bastante balanceada à essa altura. E isso cresce ainda mais com a chegada afinal de Léna, que se mostra, logo de cara, a menos interessante das três.

Como os outros filmes de Rohmer, CONTO DE VERÃO lida com assuntos caros ao cineasta, como liberdade, fidelidade e controle, muitas vezes dentro de um contexto em que o acaso também exerce uma poderosa influência. Assim como a maioria de seus outros filmes, este também tem uma linguagem visual elegante, uma preferência pela luz natural suave e um cuidado no roteiro impressionante. No caso de CONTO DE VERÃO, há tantos diálogos que sua verborragia pode incomodar alguns espectadores. Não é o meu caso e nem o de tantos apreciadores de seu estilo. Ao contrário: é admirável como alguém cuja palavra é tão importante não deixa nunca de expressar as imagens de maneira tão rica.

+ TRÊS FILMES

ANTES DO AMANHECER (Before Sunrise)

Não me lembro se vi este filme de Richard Linklater pela quinta ou sexta vez. Na verdade, eu evito rever muitas vezes, até para poder aproveitar mais de sua magia em cada nova experiência, como se ela pudesse se dissipar. Da última vez, em 2013, eu estava bem mais emotivo, acho eu. E por algum motivo acreditei que não precisava de um novo texto a respeito (o que tenho de registro é de 2004). Rever ANTES DO AMANHECER (1995) no ano passado foi também especial, embora tenha me parecido mais rápido em sua conclusão, muito ágil na montagem das cenas. Foi bom notar coisas que eu não tinha notado. E me arrepiar de novo em partes dos diálogos dos dois, como na cena em que ela diz acreditar que Deus está no espaço entre eles. Ainda acho isso fantástico. As discussões filosóficas são menos importantes hoje, eu diria. São importantes como reflexo da empolgação da juventude, mas o mais importante são os olhares, a atração e a admiração que os dois vão criando um pelo outro. Percebi algo de mais lascivo desta vez, nos beijos. Acho que antes só percebia algo mais romântico, algo extra físico. Essa é uma das tantas vantagens da revisão.

A FESTA DE FORMATURA (The Prom)

Pior do que um filme ruim é um filme ruim de uma duração longa. E em se tratando deste musical de Ryan Murphy, 2h10 demora a passar sim. De todo modo, ainda gostei de algumas canções cantadas pela Joe Ellen Pellman, que talvez seja a alma de A FESTA DE FORMATURA (2020), embora não apareça com seu nome no cartaz principal. Ela é a garota lésbica de uma cidadezinha retrógrada que sonha em ver sua namorada se declarando publicamente na festa de formatura. As coisas não acontecem como ela quer, mesmo com a intervenção de uma trupe de artistas do teatro que a buscam como um meio de se redimirem de um fracasso de crítica, como uma causa nobre. Impressionante como Meryl Streel gosta de fazer musical ruim. Ela esteve no tenebroso CAMINHOS DA FLORESTA. E tem o James Corden, que esteve no inacreditável CATS. Esse, então, parece que está querendo pagar algum karma pesado ou coisa do tipo. De todo modo, o filme tem uma mensagem nobre, sobre aceitação das diferenças e o “sair do armário”. Mas o pior de tudo é que para um musical ser bom não precisa de uma boa história. Mas boas canções são essenciais. Aqui não há. O que sobra é um filme colorido, chato e que eu só vi por estar na lista de indicados do Globo de Ouro. A FESTA DE FORMATURA foi indicado nas categorias de melhor filme (comédia ou musical) e melhor ator em comédia ou musical (James Corden).

RELATOS DO MUNDO (News of the World)

No IMDB o único filme em que aparece "directed by" Paul Greengrass é este RELATOS DO MUNDO (2020). Seria um filme menos pessoal, menos autoral por causa disso? Não sei se a escolha do "directed by" no lugar de "a film by" representa uma força menor do autor na obra. De todo modo, este é um dos trabalhos mais bonitos do diretor inglês, que tinha ganhado a fama de filmar com a câmera tremida. Aqui ele escolha outra maneira, talvez pelo filme se passar no século XIX e também ter momentos mais serenos, ainda que haja também outras cenas bem próprias dos westerns, como ameaças física e psicológica e tiroteio. Na trama, Tom Hanks é um sujeito que ganha a vida lendo notícias em cidades do sul dos Estados Unidos, lugares ainda com um sentimento de derrota forte pós-guerra civil. São pessoas analfabetas e simples. A vida do protagonista muda de rumo quando ele encontra uma menina alemã que foi capturada e criada por índios durante anos. E agora ele se vê na missão de buscar um lar para a garotinha. A atriz mirim é ótima, Helena Zengel, de TRANSTORNO EXPLOSIVO. Um grande acerto terem-na trazido para um filme americano. RELATOS DO MUNDO foi indicado ao Globo de Ouro nas categorias de melhor atriz coadjuvante (Helena Zengel) e melhor trilha sonora (James Newton Howard).

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