quarta-feira, dezembro 02, 2015

SEIS CURTAS DA MOSTRA PERCURSOS



Fui convidado para ser mediador do primeiro debate da Mostra Percursos, que reúne vários curtas-metragens cearenses produzidos neste ano. Foi uma oportunidade de conhecer e entrar em contato com jovens realizadores que futuramente ouvirei falar, quando de seus futuros trabalhos. Foi também uma oportunidade de exercitar o meu enfrentamento ao medo de falar em público, que continua me amedrontando. Felizmente, acredito que não me saí ruim. Se bem que nem tive muita chance de falar mesmo. Foi tudo muito rápido por causa do atraso para a exibição da segunda leva de títulos. Falemos um pouquinho dos filmes.

TODOS OS SENTIDOS

Curioso que durante a apresentação do diretor Fabrício Alves sobre TODOS OS SENTIDOS (2015) ele comentou sobre a ênfase que ele teria dado aos cinco sentidos para assinalar os depoimentos de seus entrevistados, entre eles nomes como Fausto Nilo e Eugênio Leandro. Eu não percebi esta ênfase, por descuido meu. Pra mim, o filme trata mais da questão da composição e do modo como esses homens constroem sua poesia em forma de música. Ou como letrista de música, como é o caso de "Cavalo Ferro", com letra de Fausto Nilo e música de Fagner. Interessante quando dois dos entrevistados falam desse aspecto misterioso da inspiração, como se fosse algo que vem de uma fonte desconhecida. Um bom trabalho, cujas falas são todas relevantes e interessantes.

VERMELHO

Em tom de fábula, usando inicialmente a força da palavra, matéria-prima deste gênero nascido da literatura, VERMELHO (2015, foto), de Camilla Osório, utiliza uma velocidade de ação que se assemelha a de VINIL VERDE, de Kleber Mendonça Filho, que a diretora afirmou ser mesmo uma influência. O filme de Camilla recebeu também um belo tratamento em cores vivas, principalmente nos momentos em que aparece o palhaço. Como o filme retrata também a melancolia do desaparecimento deste ser, que aqui é visto como mágico, muito dessa cor vai embora, quando o hiato nos mostra a pequena Alice crescida e “aparentando ser humana”. O uso do acordeão ajuda a compor a atmosfera de magia que o filme requer. Filme bonito em seu tom misterioso.

CORTINA A PAR

A poesia entra em CORTINA A PAR (2015), de Anio Tales Carin, na voz solitária do rapaz que trabalha de vigia noturno de um teatro. A solidão e a magia daquele lugar são um convite para que o protagonista dê asas à sua imaginação, finja-se de ator e entre numa disputa consigo mesmo em um curioso solilóquio. O filme capta o tédio da rotina do personagem e também sua luta para fugir da mediocridade. Uma de suas falas mais repetidas é “talvez nossa missão seja nascer, reproduzir e morrer”. Algo muito pouco para o que uma vida é capaz.

VÍSCERA

Creio ser o mais bem-sucedido dos seis curtas exibidos nesta sessão. VÍSCERA (2015), de Mateüs Bandeira, é de uma simplicidade e de uma beleza admiráveis. Tanto o poder da palavra (em lindo poema de Cecília Meirelles) quanto a beleza das imagens em preto e branco de uma mulher flagrada em close-ups de diversas partes do corpo e chorando bastante, tudo isso contribui para que este curta seja um dos mais interessantes da safra recente. A gente demora a aceitar que foi um homem que dirigiu, mas a voz de uma mulher, o corpo de uma mulher e o poema de uma mulher fazem a diferença. Mas Bandeira teve a sensibilidade para ir em busca da alma feminina.

CARTA À AURORA

A poesia está presente em CARTA À AURORA (2015), de Rafael de Jesus, principalmente ao lermos as fichas com uma carta japonesa do que parece ser a perda de um grande amor. Enquanto isso, somos apresentados a imagens de voos ou da geografia do que parece ser o Japão. A música nipônica também aparece de maneira discreta. Curiosamente, o cineasta contou que o seu filme só seria entendido por quem já viu o anterior, o que causou risos durante o debate. Mesmo não entendendo tudo, difícil não perceber a beleza deste trabalho.

ENTRETEMPOS

As primeiras imagens de ENTRETEMPOS (2015), de Lorie, já saltam aos olhos. Há um interessante jogo de espelhos que corta ao meio a imagem e a repete do outro lado. Temos a história de um cientista que acredita que há uma Terra paralela e ele está prestes a entrar em contato com o seu outro eu desta Terra. Enquanto isso, também acompanhamos o outro eu, travestido, de frente para um espelho, e também ciente disso. Há um pouco de gordura a partir da metade da narrativa, mas nada que tire o mérito da inventividade desta ficção científica que lida com a necessidade de transformação e descoberta.

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