quarta-feira, julho 23, 2014

TRÊS FILMES BRASILEIROS INDEPENDENTES



Três filmes exibidos em mostras que têm a intenção de apresentar trabalhos mais ousados em suas propostas estéticas. Nem sempre são filmes que acertam em cheio em tudo, mas que têm o seu valor e fogem de alguma maneira dos formatos pré-estabelecidos. Pelo menos em parte. Os filmes foram exibidos nas mostras Outros Cinemas (Caixa Cultural) e Cinema de Garagem (Cinema do Dragão).

O EXERCÍCIO DO CAOS 

Já faz um tempinho que vi O EXERCÍCIO DO CAOS (2012, foto), de Frederico Machado, e lembro que na hora foi um filme um tanto cansativo, mas que acabou crescendo mais na memória afetiva. Trata-se de um exemplar raro de um cinema feito no Maranhão. E foi basicamente todo bancado pelo próprio Frederico Machado, que também é dono da Lume Filmes. Apreciador de cinema, não apenas criou um selo, mas quis também fazer o seu cinema com muito suor. Suor, aliás, bastante presente no filme, no trabalho braçal dos personagens que trabalham em um engenho de mandioca. Mas o mais importante é o formato de família que o filme mostra: um pai e três filhas, sendo que, com a ausência da falecida mãe, a mais velha passa a fazer as vezes de mãe até mesmo no que se refere a relações sexuais. É um filme que tem um atmosfera carregada, com uma fotografia em tons de terra que causa uma sensação de opressão e que mal dá espaço para que o espectador respire. Tudo muito intenso, ainda que as lacunas/elipses atrapalhem e confundam um pouco. Mas isso faz parte do charme de O EXERCÍCIO DO CAOS.

FEIO, EU? 

Perdi na Mostra Outros Cinemas, mas o filme acabou me perseguindo: vi no último dia da Mostra Cinema de Garagem. FEIO, EU? (2013), de Helena Ignez, é uma espécie de documentário que dá espaço também para a ficção, ao deixar que alguns personagens ganhem mais vida que outros, como é o caso da moça que é garota de programa, mas que sonha com o príncipe Harry. Ela é quem mais se destaca do grupo de atores e atrizes que saem da Oficina promovida pela própria Helena Ignez. A diretora/atriz aproveitou a oficina para a realização deste longa, que até daria um melhor média-metragem se não forçasse tanto a barra em alguns personagens pouco expressivos. Falta também um foco: o filme não sabe direito se quer lidar com esses jovens intérpretes e suas próprias criações ou se acompanha a diretora em sua viagem para a Índia, por exemplo. De todo modo, é um filme simpático e que tem os seus momentos.

PAIXÃO E VIRTUDE 

Eis um exemplo de obra bastante ousada em sua proposta. A partir de um conto de Gustave Flaubert e também inspirado em outras obras literárias, PAIXÃO E VIRTUDE (2014), o filme-testamento de Ricardo Miranda, traz uma interessantíssima mistura de cinema e literatura em sua estrutura narrativa. Isso faz com que ocorra um distanciamento maior entre personagem e ator e entre personagem e espectador. Principalmente porque o próprio ator é também responsável pela narração, como se estivesse recitando um romance. Uma vez que entendemos o jogo e as intenções do diretor, o filme passa de uma obra hermética e complicada para um projeto bem interessante. Na trama, um homem mais jovem se aproxima de uma mulher casada até o ponto de ela ficar perdidamente apaixonada por ele e acabar com o seu casamento. A intenção inicial dele é apenas conquistar mais uma mulher para sua coleção, mas depois ele foge com medo da paixão exacerbada da amante. Quem leu Madame Bovary pode achar esse enredo um tanto familiar. Mas o enredo importa menos que a forma como Miranda, morto no último mês de março, quis ilustrar sua história. O elegante filme de Miranda é dedicado ao amigo Paulo César Saraceni.

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