quinta-feira, outubro 15, 2020

O PROBLEMA DE NASCER (The Trouble of Being Born)



Fazer filmes com conteúdos sexuais e que envolvam crianças hoje é mexer num vespeiro. E foi o que aconteceu com a cineasta Sandra Wollner, que fez um filme sobre a relação de um homem com uma androide-criança. Embora seja um filme que coloque as questões de maneira muitas vezes implícita, elas acabam por se tornarem o centro das atenções, embora não sejam as únicas questões abordadas. Afinal, o filme é muito mais sobre a crise existencial dessa garota-androide e também sobre a confusão de sentimentos que ela acumula ao longo de seus anos de existência.

O PROBLEMA DE NASCER (2020), exibido e premiado em Berlim, na nova seção Encounters, é o segundo longa-metragem de Wollner, que havia tratado da construção do ego em seu primeiro longa, THE IMPOSSIBLE PICTURE (2016), e que agora trata de algo mais como o desaparecimento, a dissolução do ego neste novo filme. Essa distinção ela mesma fez em entrevista dada à revista Film Comment de março deste ano.

Na entrevista ela destaca uma diferença básica entre seu filme e outro a que costumam compará-lo: A.I. - INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, de Steven Spielberg. O filme de Sbielberg baseado em ideia de Stanley Kubrick seria mais inspirado na história de Pinóquio, na vontade de um garoto criado artificialmente de se tornar alguém de carne e osso. No filme de Wollner, temos algo de certa forma ainda mais perturbador: a menina-androide queria apenas poder continuar fazendo a vontade de seu dono, continuar sendo seu objeto.

Como o filme trata dessa questão da objetificação, ainda que seja de uma criatura com inteligência artificial, mas com similaridades com humanos, ainda mais com uma garotinha, a questão do quanto o ser humano é capaz de trazer seus sentimentos mais sombrios para esses "brinquedos" vai se destacando. E a androide aos poucos vai demonstrando ter um tipo de consciência próxima da humana. Essa consciência, ou semi-consciência, se torna ainda mais próxima do espectador, pois é a própria robô que conta sua história, ainda que de maneira confusa e fragmentada. Como é fragmentada a própria narrativa.

Uma coisa que o filme destaca também é a sua fotografia com pouca iluminação, mesmo em cenas que se passam ao sol, na piscina. A sensação de meia luz acaba se tornando uma característica do filme e algo que combina com sua estranheza, com seu aspecto por vezes abstrato, especialmente quando Ellie, a androide, passa a conviver com uma senhora idosa e tem sua identidade mudada para a de um menino. Ellie, a jovem protagonista, passa a ser destituída de sua identidade anterior, mas as memórias, ainda que confusas, persistem, assim como a falta que ela sente do "pai". Nesse sentido, a voice-over no filme tem um papel muito feliz e importante.

Como se trata de um filme claramente de baixo orçamento, o aspecto de ficção científica passa a ser menos importante do que o aspecto dramático, da questão da identidade de Ellie, de suas angústias. Para dar um senso de estranheza à personagem, a diretora usou uma máscara de silicone na jovem atriz, que teve sua identidade preservada. Além do mais, a diretora fez questão de dizer que as cenas que mostram a garota nua não são dela mesma, mas de imagens geradas por computador. 

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