quinta-feira, outubro 01, 2020

CINEMANIA



Acho que a gente gosta de se olhar no espelho, mesmo quando não nos achamos tão bonitos assim. Ver CINEMANIA (2002), documentário de Angela Christlieb e Stephen Kijak, é como se ver no espelho em alguns momentos. E saber rir do ridículo. Mas estou falando de cinéfilos, não de pessoas normais, por assim dizer. O cinéfilo como uma espécime a ser estudada, mas com todo o carinho. É assim que o filme de apenas 83 minutos (podia ser maior) se propõe (ou se revela). Por mais que deixe um gosto um tanto amargo com relação ao estilo de vida solitário e obsessivo-compulsivo dos personagens, não quer dizer que eles sejam infelizes.

O filme apresenta cinco cinéfilos bem diferentes que moram em Nova York, uma cidade excelente para quem gosta de variedade de filmes. O primeiro apresentado é justamente o mais interessante, Jack, que já começa dizendo que teme perder as estreias e por isso muitas vezes chega a ver quatro ou cinco filmes por dia. “Toda minha vida gira ao redor disso”, ele diz.

Já Bill é um sujeito que tem um gosto maior por filmes de relacionamentos. E pelo cinema francês pós-Nouvelle Vague. Segundo Bill, “filme é um substituto para a vida, é uma forma de vida”. É engraçado vê-lo se preparando para as sessões, a pouca importância que dá à alimentação, as preocupações em estar sempre o mais confortável possível em uma sessão, a fim de ter a melhor experiência fílmica.

Harvey é talvez o menos marcante dos personagens. Mas ele é ótimo em memorizar as durações dos filmes e tem uma bela coleção de trilhas sonoras em vinil. Já Eric tem uma preferência por filmes clássicos e não tem muita paciência para filmes mais cabeçudos, como os de Alain Resnais. Roberta, como a única mulher dos cinco, é talvez a mais excêntrica. Talvez por ter adquirido o hábito de acumular papel, o que muito me lembrou o Seu Wilson Baltazar, meu amigo parceiro de cinema que faleceu neste ano com a vinda do Corona Vírus.

Assim como Bill, eu também quero estar totalmente confortável durante a sessão. E muitas vezes compro analgésicos quando estou sentindo alguma dor no corpo. Ou café para não ficar com sono. Assim como Bill, deixo de frequentar alguns espaços que têm a projeção ruim. Tenho essa coisa meio preciosista, querendo que o cinema ofereça o seu melhor para a apreciação da obra.

Quanto ao amor pelas estrelas do cinema, curiosamente nesta semana surgiu uma brincadeira no Facebook com a pergunta "com qual personagem do cinema você desejaria transar?". Eu fiz uma lista generosa. Copiando aqui. “Grace Kelly em LADRÃO DE CASACA. Ou Jean Seberg em ACOSSADO. Ou Natalie Wood em ESTA MULHER É PROIBIDA. Ou Sharon Stone em INSTINTO SELVAGEM. Ou Demi Moore em SOBRE ONTEM À NOITE. Ou Jennifer Connelly em AMOR MAIOR QUE A VIDA. Ou Emmanuelle Seigner em LUA DE FEL. Ou Ludivine Sagnier em SWIMMING POOL. Ou Denise Dumont em EROS - O DEUS DO AMOR. Ou Claudia Cardinale em O LEOPARDO. Ou...”

Claro que isso tudo é uma brincadeira, mas um dos personagens fala algo que se deve levar muito a sério, que é a questão do padrão que ele cria de beleza. Jack chega a dizer que, ao sair da sessão de A DAMA DE SHANGHAI, de Orson Welles, fantasiou com a Rita Hayworth. Mas com a personagem em preto e branco, uma espécie de fetiche. Por isso acho Jack o personagem mais interessante, por expor isso de maneira aberta, inclusive quando fala de seu fracasso sexual.

Uma coisa que fez eu me identificar muito com Jack foi vê-lo falando de sua lista de filmes anotados em seu caderninho. E de como a memória de cada filme também traz a lembrança das circunstâncias de cada momento da vida, dos problemas românticos etc. É Jack também que fala da questão do choro, do quanto chorou quando viu OS GUARDA-CHUVAS DO AMOR, de Jacques Demy, algo que também aconteceu comigo de maneira muito intensa.

Enfim, haveria muito o que falar sobre o filme, mas, quem se identificou de alguma maneira, deixo essa bela recomendação. Foi algo que me fez ganhar o dia. Quase me esqueci dos problemas.

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