quinta-feira, dezembro 03, 2009

A LEI DO DESEJO (La Ley del Deseo)























"Quero exprimir a necessidade absoluta de se sentir desejado e o fato de, nessa roda do desejo, ser muito raro que dois desejos se encontrem e se correspondam, o que é uma das tragédias do gênero humano."
Pedro Almodóvar


Tive a oportunidade de ver A LEI DO DESEJO (1986) no cinema, no extinto Studio Beira-Mar, na segunda metade dos anos 90. Parece que o filme havia sido barrado pela censura na época do lançamento na Espanha e só chegou aqui alguns anos depois. Minha lembrança em relação ao filme era bem positiva. Acho que me lembrava mais das cenas picantes (a sequência de abertura, em especial) e pensava no filme apenas como uma obra transgressora, a obra mais ousada e sem frescuras sobre relacionamentos homossexuais que eu já vi até hoje. Revendo agora pude perceber que, apesar de as tais cenas serem fundamentais para o filme como um todo, os sentimentos e a batalha mental dos personagens são bem mais importantes. Acho que eu menosprezava os trabalhos de Almodóvar até ver FALE COM ELA (2002). Por isso a revisão de sua obra à luz do livro de entrevistas tem sido mais do que bem-vinda. Só assim eu pude perceber o quanto um filme como A LEI DO DESEJO pode ter uma natureza tão universal.

A LEI DO DESEJO foi o primeiro filme da produtora El Deseo, criada por Almodóvar e pelo irmão Agustín. Foi a declaração de independência do cineasta. Ainda hoje é uma produtora pequena, que trabalha com poucos filmes, mas que é bem dedicada a suas produções. Uma das coisas que Almodóvar destaca no livro em relação ao filme é a questão da fraternidade. Ele fala de seu amor pelo irmão, de como eles são unidos e cúmplices um do outro, e de como isso repercute na relação entre irmãos mostrada no filme. No caso, temos um cineasta homossexual (Eusebio Poncela) que tem um irmão/irmã transexual (Carmen Maura).

Novamente, Almodóvar brinca com a confusão dos sexos ao mostrar o pai de uma criança (Carmen Maura) mais feminino do que a mãe, vivida por Bibi Andersen, que aparece com um jeito meio másculo. Nos filmes de Almodóvar, o masculino-feminino nunca é preto-no-branco. E apesar de já desde o primeiro filme demonstrar o seu carinho pelos gays, o que não poderia ser diferente, A LEI DO DESEJO é o seu primeiro filme mais aberta e totalmente homo. Eusebio Poncela e Antonio Banderas demonstram uma impressionante entrega a seus papéis de amantes. Pena que mais uma vez Banderas não consiga ser tão convincente. O papel dele sempre fica aquém do de seu parceiro. Ele quase reprisa o seu personagem de MATADOR (1986), com direito até a uma mãe castradora seguindo os seus passos.

A trama também tem algo de film noir, com direito a cenas de assassinato e uso de voice-over, principalmente nas cenas em que os personagens trocam correspondências. De acordo com o próprio Almodóvar, há uma homenagem do diretor de fotografia Ángel Luis Fernández ao pintor americano Edward Hopper. Pena que a beleza da imagem não possa ser bem apreciada na cópia brasileira em dvd, em full e com imagem esmaecida. Quanto ao que me incomodou na revisão do filme, destaco a utilização dupla de "Ne me quitte pas", que é uma canção poderosa, mas que com a repetição perde um pouco da força.

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