quarta-feira, maio 28, 2008

DA MESMA CARNE (The Marrying Kind)



Até que a peregrinação pela obra de George Cukor está indo rápida. Isso se deve ao fato de os filmes serem, por "menores" que alguns sejam, extremamente agradáveis. DA MESMA CARNE (1952) é uma grata surpresa. Não apenas por suas qualidades fílmicas mas por quebrar a expectativa tanto minha quanto da audiência na época, que achava que se tratava de mais uma comédia romântica sobre um casal discutindo relação, a exemplo do que aconteceu com A COSTELA DE ADÃO (1949). O filme, ao contrário, assume um tom mais dramático e quase documental, sem muitas preocupações com a beleza plástica da fotografia ou com os atores se comportando como estrelas. Cukor queria que o seu filme parecesse o mais real possível. Outra expectativa estava na maneira como Judy Holliday iria desempenhar o papel, vindo de uma comédia que lhe valeu um Oscar - NASCIDA ONTEM (1950) -, onde interpretava uma loura burra com uma voz um pouco mais aguda do que costumamos ouvir. Sua voz em DA MESMA CARNE não é muito diferente, mas aos poucos, sua personagem vai ficando cada vez mais adorável. O filme também apostava em Aldo Ray como uma estrela em ascenção, o que não aconteceu exatamente, pelo menos não do jeito que Cukor queria. O fato é que Ray tinha aquele jeitão macho de jogador de futebol americano e Cukor o transformou num sujeito mais sensível, chegando ao ponto de mandá-lo fazer aulas de balé. Será que Aldo gostou do conselho? Devido às preferências sexuais de Cukor, alguém pode até pensar no que pode ter acontecido entre os dois, mas como não li nada a respeito, prefiro acreditar que Cukor era um sujeito gentil e que adorava criar novos astros, como realmente o fez.

DA MESMA CARNE se inicia numa cena num tribunal, onde o casal representado por Judy e Aldo estão presentes para oficializar o seu divórcio. A juíza, antes de começar a fazer perguntas de maneira mais oficial e jurídica, resolve fazer um recesso e conversar "em off" com o jovem casal. Com essa conversa, vamos tendo contato, através de flashbacks, com o início do relacionamento dos dois, o desenvolvimento, o casamento, os pequenos desentendimentos, uma tragédia familiar e o desgaste de uma relação devido a problemas financeiros e de outra ordem. No fim das contas, essa conversa com a juíza acaba se tornando numa espécie de terapia de casal, como hoje é comum nos consultórios de psicanalistas. Os personagens, de início, não são imediatamente amáveis, mas aos poucos vamos entendendo seus problemas e não duvido que qualquer casal não vá se identificar nem que seja com um momento do filme. Na cena da tragédia envolvendo um dos filhos do casal, eu já previa o que iria acontecer, talvez por ter um espírito fatalista, talvez por ter visto melodramas demais ou talvez porque a cena é quase uma reprise da morte da filha do casal de Scarlett O'Hara e Rhett Butler em E O VENTO LEVOU (1939). Mas não colocaria isso como um dos pontos negativos do filme, até porque a abordagem, o tom, é completamente diferente do melodrama de Scarlett. Não há arroubous dramáticos. No que se refere ao tom, no caso de DA MESMA CARNE, o "menos" vale mais do que o "mais".

O filme, embora não esteja entre os mais famosos e premiados do cineasta, é um de seus melhores trabalhos. Em certa hora até parecendo um filme europeu dos anos 60 ou um filme de John Cassavetes. Até nos momentos cômicos, como na cena em que Aldo conhece Judy ou na ótima seqüência do sonho, a comédia é comedida. É um filme mais para sorrir do que para rir. Quanto a Aldo Ray, no final, o filme termina com os dizeres de apresentação do futuro astro e pede para que o expectador fique de olho nesse novo talento. Foi a primeira vez que eu vi uma propaganda tão explícita de um astro dentro do próprio filme e não apenas num trailer. Porém, a trajetória de Aldo não foi exatamente como Cukor queria e Aldo acabou se tornando um ator de filmes mais másculos, sendo os mais conhecidos o western O PEQUENO RINCÃO DE DEUS, de Anthony Mann, e o drama de guerra A MORTE TEM SEU PREÇO, de Raoul Walsh, filmes que a julgar pelos diretores envolvidos devem ser excelentes. Quanto à aparição de Charles Bronson em DA MESMA CARNE, deve ser uma decepção para os fãs, pois ele entra mudo e sai calado, no papel de um dos colegas de trabalho do personagem de Aldo Ray.

Infelizmente, DA MESMA CARNE continua inédito em dvd no Brasil, o que não impede que ele seja conseguido por "vias alternativas".

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