domingo, março 03, 2024

DUNA – PARTE DOIS (Dune – Part Two)



Denis Villeneuve entra na mitologia de Blade Runner com sua obsessão por histórias familiares. Desde seu longa de estreia, 32 de AGOSTO NA TERRA (1998), que a questão da paternidade é tratada com profundidade e seriedade. Isso seria levado adiante em filmes tão distintos como INCÊNDIOS (2010), O HOMEM DUPLICADO (2013) e A CHEGADA (2016). A intersecção entre esses filmes inclui pessoas que se sentem deslocadas e se veem diante de um elemento-surpresa ou um desafio que as fazem questionar os seus papéis na existência.

Esse parágrafo em itálico acima foi escrito por mim quando escrevi a respeito de BLADE RUNNER 2049 (2017), primeira experiência com sci-fi do cineasta canadense. Foi bom eu reler este trecho do texto e ver o quanto essa questão da família e da paternidade segue presente neste projeto ainda mais ambicioso do diretor, a adaptação do romance de 1965 de Frank Herbert, Duna.

DUNA – PARTE DOIS (2024) é de bem mais fácil compreensão que o primeiro filme (2021), que tinha a difícil tarefa de apresentar os conceitos, os personagens, os embates entre as raças etc. Falo difícil, mas a impressão que temos vendo esta sequência é que Villeneuve faz parecer que foi fácil. E sabemos o quanto as duas adaptações de Duna para o cinema tiveram histórias muito tortuosas. A versão de Alejandro Jodorowsky nem saiu do papel e tinha a intenção de ter 14 horas de duração e contaria com um time dos sonhos. Já a versão dirigida por David Lynch conseguiu sair do papel, mas ficou uma coisa quase incompreensível para quem não leu o livro de Herbert, e uma experiência traumática para Lynch, que nunca mais faria projetos de encomenda novamente (graças a Deus!).

DUNA – PARTE DOIS se demora mais no deserto e começa de onde o primeiro parou, com Paul Altreides (Timothée Chalamet) e sua mãe grávida, Lady Jessica (Rebecca Ferguson), se juntando ao grupo de guerreiros do deserto, os Fremen, por sobrevivência, mas também para planejar uma vingança contra os Harkonnen. No primeiro filme, o pai de Paul, o Duque Leto (Oscar Isaac) é assassinado e quase toda a família Atreides é dizimada pelas tropas do Barão Vladimir Harkonnen, vivido por um Stellan Skarsgård quase irreconhecível em toneladas de maquiagem para criar uma figura tenebrosa. E falando em tenebrosidade, que fantástica que está Rebecca Ferguson, num papel cheio de ambiguidades, sendo ela uma espécie de bruxa manipuladora, mas também dotada de grande sabedoria e conhecimento. Sem falar no visual, no figurino, nas expressões de seu belo rosto. Aliás, falando em figurino, esse é outro destaque desta produção.

Villeneuve faz um filme ambicioso, mas é cinema clássico-narrativo à moda antiga, até lembrando, e não apenas por causa do deserto, LAWRENCE DA ARÁBIA, de David Lean, se distanciando ainda mais de suas realizações canadenses de início de carreira. Com relação a outras semelhanças com outros trabalhos seus, destaco o impacto da consciência, da manifestação da verdade, algo que acontece em INCÊNDIOS e em A CHEGADA. Inclusive, é citado neste filme o quanto o poder da especiaria promove em certas pessoas uma percepção única entre passado, presente e futuro, de certa forma lembrando a comunicação com os extraterrestres de A CHEGADA. Aqui essa visão é conseguida de maneira mais forte através de uma poção que potencializa os poderes místicos de Lady Jessica – e, mais adiante, de Paul, quando ele passa a aceitar sua posição como líder que mudará o destino daquele universo, mesmo sabendo que isso poderá ocasionar milhões de mortes numa chamada guerra santa.

Achei que o filme podia ter explorado um pouco mais o relacionamento amoroso entre o herói e Chani (Zendaya), mas acredito que isso não seria possível sem aumentar ainda mais a metragem. Dizem, aliás, que a Chani de Villeneuve é diferente da Chani de Herbert. A de Villeneuve tem uma personalidade mais forte, é muito menos submissa, por assim dizer. Ela representa o grupo do norte do planeta, que não acredita que Paul é o messias, que vê tudo como uma superstição do povo do sul. Já o grande Javier Bardem faz um Stilgar muito simpático, o personagem que representa o alívio cômico do filme.

As mudanças de cenário e as apresentações de novos personagens são feitas com muita segurança, e em blocos narrativos. Mesmo personagens com menor tempo de cena, como os vividos por Austin Butler, Florence Pugh e Christopher Walken, ganham muita força na trama. Este segundo filme reforça uma questão complexa e delicada, como o uso da religião como alavanca para a chegada ao poder a partir da fé dos fiéis.

Com o sucesso de público e crítica de DUNA – PARTE DOIS, acredito que Villeneuve conseguirá carta branca para o terceiro filme, adaptando o segundo livro, O Messias de Duna, romance bem menos volumoso lançado originalmente em 1969. E mesmo que não consiga, este segundo já se encerra de forma brilhante, com um mal estar associado a uma vitória. No mais, que som, que cuidado técnico, que amor pelo texto de Herbert. 

Quem puder ver numa sala IMAX, opte por esse tipo de sala. Quem não tiver IMAX em sua cidade, procure a maior e melhor tela. É filme pra se ver em tela gigante e com som de primeira. 

+ DOIS FILMES

BEEKEEPER  REDE DE VINGANÇA (The Beekeeper)

Exemplo clássico de filme que começa muito bem, explorando o crime, o justiçamento e a violência brutal (chega a ser um exploitation de alto orçamento). É fácil se divertir no primeiro momento de BEEKEEPER - REDE DE VINGANÇA (2024), mas rapidinho a história parece não saber mais para onde ir e o carisma de Jason Stathan e as situações de ação envolvendo esse exército de um homem só não são suficientes para manter o filme bom até o final. Até a violência deixa de ser interessante e extrema e se torna algo entorpecente no filme de David Ayer, quando o herói aparece quase invencível, disputando sem nenhuma arma vários homens armados ao mesmo tempo. Ainda assim, é possível se divertir com as cenas, com os vilões, com o FBI totalmente imprestável, como também é possível lembrar-se da era dos filmes de justiceiros impiedosos (franquias Dirty Harry, Desejo de Matar etc.), para o bem e para o mal.

AQUAMAN 2 – O REINO PERDIDO (Aquaman and the Lost Kingdom)

Um caso de filme que foi tão malhado pela crítica e pelos fãs que a gente vai ver até com um olhar mais generoso. Não que AQUAMAN 2 – O REINO PERDIDO (2023) não tenha merecido tantas críticas negativas, mas há uma coisa ou outra que merecem ser destacadas. Destaco principalmente o visual das naves submarinas, que parecem saídas de algum romance sci-fi do século XIX, com sua ambientação retrô. A primeira luta entre a nave do Arraia Negra com o exército dos povos atlantes tem seu charme. Até considero o vilão (Yahya Abdul-Mateen II) mais interessante que o herói. Aquaman é aquele herói tão preguiçoso que sua preguiça contagia. E Amber Heard seria apenas a esposa bonita e apagada se não lhe dessem algumas cenas de ação perto do final. Já Patrick Wilson é aquele personagem sem muita personalidade, que funciona como escada para o herói. Além do mais, por ser parceiro de James Wan, fica mais uma vez a impressão de um contrato por amizade. O filme é cheio de problemas de montagem e ritmo, mas não o vejo como a mais desastrosa produção da DC Warner do ano. Esse título fica com SHAZAM! FÚRIA DOS DEUSES. No entanto, não deixa de ser triste quando a comparação feita a um filme passa a ser com os piores.

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