quinta-feira, março 07, 2024

TENEBRE



Um dos motivos para que as obras-primas do giallo sejam tão cultuadas está no quanto elas crescem nas revisões. Na primeira vez que vi TENEBRE (1982), de Dario Argento, não tive o mesmo impacto que desta vez, em fevereiro. Fiquei maravilhado com cada cena, com a beleza da violência estilizada, com o visual que deixa o filme num tempo não estabelecido e com o tom onírico aplicado. Tudo a ver com o fato de que Argento estava saindo de uma pausa de sete anos dos gialli, vindo de dois filmes de horror de bruxas, as também obras-primas SUSPIRIA (1977) e A MANSÃO DO INFERNO (1980). Ou seja, naquele momento da carreira, o maestro estava no auge.

Essa impressão de necessidade de revisão constante dessas obras se dá, possivelmente, por se sustentarem num material de sonho, como se o diretor adentrasse um outro território de nosso cérebro, inclusive por não estar tão interessado em racionalizar. Ou seja, TENEBRE e outras obras do tipo ficam arquivadas no mesmo compartimento de nossa mente onde guardamos a lembrança dos sonhos. E apesar de haver uma trama bem pensada – e eu gosto muito das revelações quanto à identidade do assassino, por exemplo –, claramente a força maior do filme está na construção das cenas, em especial das cenas de assassinato ou de perigo extremo, ao som da excelente trilha sonora.

O assassinato das duas amigas em seu apartamento, a incrível perseguição de uma garota por um cachorro, a amputação do braço de uma mulher e sangue esguichado pintando de vermelho a parede (um espetáculo visual!), o fechamento que é puta catarse. E Argento ainda trata no mesmo filme de rebater ou jogar mais lenha nas acusações de sexismo, ao trazer um protagonista que muito lembra o próprio realizador na condição de escritor de romances criminais com violência extrema.

Na trama, o escritor Peter Neal (Anthony Franciosca), em seu caminho para Roma a fim de promover seu novo livro intitulado “Tenebre”, descobre que alguém que leu o seu romance o está usando como citação explícita em seus homicídios – as vítimas são encontradas com páginas do livro em suas bocas. O escritor é visitado pela polícia, encabeçada pelo detetive Germani, vivido por Giuliano Gemma, e, à medida que mais pessoas vão morrendo, mais ele pretende se aproximar do crime para descobrir a identidade do assassino. O curioso é que, mesmo eu, que não curto muito um whodunit, fiquei muito interessado em tentar descobrir a identidade do serial killer, até porque boa parte dos personagens da trama vão morrendo pelas mãos do sujeito de luvas pretas.

TENEBRE é o tipo de filme em que cada cena é empolgante, mas obviamente os destaques são mesmo as cenas de suspense e gore. A relativamente longa cena da perseguição da adolescente por um dobermann dos infernos é incrível. No começo, ela briga com o namorado, desce da moto, é atacada por um bêbado, corre, fica irritada com o cachorro, que pula a cerca e a persegue dentro de uma floresta, e em seguida ela invade uma casa, justamente a casa do assassino, onde descobre fotos das vítimas. Podemos dizer que este momento fecha o lado A, por assim dizer. E, por que incrível que pareça, TENEBRE ainda consegue se manter tão ou até mais interessante depois desta cena, quando a identidade do assassino se torna ainda mais intrigante, levando a um dos finais mais intensos da filmografia de Argento, com aquela imagem magnífica de Daria Nicolodi.

Este filme de Argento é muitas vezes associado a algumas obras de Brian De Palma, já que cineasta americano homenageou o maestro em pelo menos duas ocasiões, SÍNDROME DE CAIM e PAIXÃO, em que determinada cena é “repetida”.

+ DOIS FILMES

O ESTRANHO VÍCIO DA SRA. WARDH (Lo Strano Vizio della Signora Wardh)

A estreia de Sergio Martino no mundo dos gialli foi com este sensual O ESTRANHO VÍCIO DA SRA. WARDH (1971), de Sergio Martino, nascido após o diretor ter iniciado com três documentários e um western spaghetti. Ou seja, o diretor vinha de territórios um pouco mais concretos, antes de ingressar nesse mundo quase abstrato, o dos gialli. Talvez por isso este filme não seja do tipo tão viajante, o que não quer dizer que não existam imagens bastante próximas da atmosfera de sonho, em especial os flashbacks e os pesadelos de Edwige Fenech com um homem com quem teve um relacionamento de sadomasoquismo no passado e que a deixou traumatizada. Agora casada, esse homem aparece novamente em sua vida, assim como um primo que veio da Austrália (George Hilton). Esses três homens se mostrarão fundamentais para a conclusão da trama, que dá um ar ainda maior de misoginia, apesar da punição no final. Algumas cenas de assassinatos são construídas com uma boa dose de suspense e tensão, outras têm uma preocupação maior com a plasticidade e outras são um pouco escuras demais para se julgar. No mais, Fenech está adorável em seu misto de coragem e fragilidade.

JOE – DAS DROGAS À MORTE (Joe)

Na época que JOE – DAS DROGAS À MORTE (1970) saiu em home video no Brasil, a revista SET deu apenas três estrelas, mas o colocou como um dos destaques do mês. Não foi o suficiente para me deixar interessado e só agora, graças ao divertido testemunho de Quentin Tarantino em seu livro Especulações Cinematográficas, em que conta quando viu o filme quando criança, com seus pais, no cinema, aí sim me chamou a atenção. No caso, o texto do Tarantino é cheio de spoilers, mas isso não tem problema para mim. JOE é desses filmes que, infelizmente, não envelheceram. No Brasil dos dias de hoje o personagem seria claramente identificado com um bolsonarista. Na virada para os anos 1970, ele representa o cara de direita que tem uma coleção de armas e muito ódio da contracultura e de tudo o que ela trouxe para a sociedade daquele tempo. Eis que a amizade, por assim dizer, dele com um homem que mata um traficante por acidente os leva a momentos às vezes divertidos, às vezes chocantes e tensos. Adoro, por exemplo, as cenas em que os dois vão parar numa casa de hippies e acabam por aproveitar a orgia e a maconha disponíveis. É interessante como esse cinema da Nova Hollywood queria mesmo romper com a antiga tradição, inclusive no quesito nudez, algo mais comum de se ver, na época, no cinema europeu. Talvez o problema do filme seja tornar Joe um sujeito simpático e não a figura odiosa e perigosa que é. Avildsen vinha de dois filmes meio exploitation e se tornaria mais famoso com o sucesso de ROCKY, UM LUTADOR (1976).

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