sábado, março 02, 2024

DIAS PERFEITOS (Perfect Days)



Acho estranho não ter me aprofundado na filmografia de Wim Wenders, sendo ele um cineasta tão importante para o início de minha cinefilia – entre minhas lacunas estão seus celebrados filmes dos anos 1970. Lembro do quanto foi arrebatador ver ASAS DO DESEJO (1987) no cinema, no saudoso Cine Center Um, e do quanto fiquei angustiado vendo, na televisão mesmo, o maravilhoso PARIS, TEXAS (1984) – sim, na virada dos anos 1980 para os 90 eram exibidos filmes dessa natureza na TV aberta, e às vezes legendados. Tanto ASAS quanto PARIS tratam da solidão e acredito que na época eu era mais solitário, e fico me perguntando se era por isso que eu me sentia tão próximo do anjo invisibilizado de Bruno Ganz ou o homem que vagou pelo deserto de Harry Dean Stanton.

A sensibilidade de Wenders o tornava um cineasta singular e um de seus grandes méritos era saber se apropriar do espaço físico e geográfico, do espírito desses lugares, de modo que isso se incorporasse à narrativa e a seus personagens. Podia ser o deserto americano ou a Berlim antes da queda do muro, mas também a melancólica capital de Portugal em O CÉU DE LISBOA (1994).

Desde a suposta decadência artística de Wenders, nos anos 1990, principalmente em se tratando de ficção, seu cinema foi deixando de chamar a atenção do circuito, a não ser por seus documentários. É bem possível que DIAS PERFEITOS (2023) seja seu melhor filme de ficção desde O CÉU DE LISBOA – mas precisaria ver PALERMO SHOOTING (2008) e TUDO VAI FICAR BEM (2015), que dizem ser bem interessantes. O novo trabalho é um retorno do cineasta alemão a seu interesse pelo cinema japonês e especialmente a Yasujiro Ozu, já homenageado por ele em TOKYO-GA (1985), mas não sem explicitar seu amor pela música americana dos anos 1960-80, que surge principalmente nas cenas em que o protagonista dirige seu carro pelas ruas de Tóquio e ouve suas fitinha cassete. 

Um dos interesses do filme está em tratar de uma figura por vezes invisibilizada na sociedade e também no cinema: as pessoas que fazem a higiene sanitária de banheiros públicos. Koji Yakusho, melhor ator em Cannes-2023, é esse homem calado que tem prazer no seu trabalho e em sua rotina, que respira com alegria o ar puro da manhã pouco antes do nascer do sol, sempre que sai de casa. Várias vezes o vemos sorrindo por coisas simples e chega a ficar feliz da vida só por receber um beijo no rosto. 

Há algo nele de que ainda não sabemos e demora um pouco até ficarmos a par de algum detalhe de sua vida pregressa. A chegada da sobrinha adolescente quebra um pouco sua rotina, mas nem isso chega a tornar a trama do filme muito convencional. Não sei dos bastidores, mas sei que Wenders já teve experiência de filmar sem roteiro – caso de ASAS DO DESEJO – apenas tentando buscar inspiração no ar da cidade. Ele faz isso em diferentes países e culturas e muitas vezes consegue resultados incríveis.

Achei a seleção das músicas boa, mas um tanto óbvia, embora, confesso: me arrepiei quando tocou “Pale Blue Eyes”. O próprio Wenders já havia usado "Perfect Day" do Lou Reed, de maneira ainda mais bonita no pouco visto OS BELOS DIAS DE ARANJUEZ (2016). Faltou um tanto para me arrebatar e fiquei pensando em outro filme que lida com o prazer com as pequenas coisas da vida e a transformação em poesia: PATERSON, de Jim Jarmursh – esse, sim, me pegou muito. Mas tudo bem: Wenders faz declarações de amor a coisas que amo muito: o cinema, a música e a literatura. Só por isso, ele já é um dos diretores mais queridos.

+ DOIS FILMES

O MENINO E A GARÇA (Kimitachi Wa Dô Ikiru Ka)

Não resta dúvida que O MENINO E A GARÇA (2023) é um filme de mestre. Mas uma coisa é reconhecer esse fato; outra é se envolver com a obra, entrar naquele mundo onírico com empolgação e maravilhamento. Eu já tenho minhas dificuldades com animações e, mais ainda, com aquelas que voam para muito longe do mundo real, por mais fascinantes que as imagens e as criações se apresentem. Achei fascinante a garça como criação original, mas quando o filme vira uma espécie de Alice no País das Maravilhas, começou a me perder um pouco. Cenas que me ganharam: a personagem da equivalente da mãe do menino do outro lado e o jogo com a porta para o mundo "real"; a chegada do protagonista no reino dos periquitos; o lado engenheiro de Hayao Miyazaki se manifestando na cena do conserto do bico da garça. No mais, achei legal ver a sala completamente lotada do Cinema do Dragão para ver esse filme. Só consegui assistir pois comprei com antecedência.

MEU AMIGO ROBÔ (Robot Dreams)

Esta animação espanhola que foi exibida em Cannes acabou ganhando visibilidade internacional pela indicação ao Oscar, disputando com Disney, Homem-Aranha e Miyazaki, para citar os maiores. A indicação do filme de Pablo Berger foi essencial para sua chegada aos cinemas. E ainda bem que pudemos ver um trabalho tão inventivo quanto este, com aquele final de deixar o coração mexido. Em alguns momentos achei que a narrativa ficou um pouco gordurosa, mas deve ser meu tempo na cadeira para animações sem diálogos, por mais que, para o caso de MEU AMIGO ROBÔ (2023), a falta de diálogos seja fundamental para a história, para a falta de comunicação que prejudica os protagonistas, o cachorro e o robô. Na trama, cachorro compra robô montável para diminuir sua solidão e passa a tê-lo como melhor amigo. Até que algo acontece e traz tensão para a história. Há algumas cenas bem inventivas, como a dança no final, e a cena do boliche com o homem de gelo.

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