sábado, setembro 30, 2023

ESTRANHA FORMA DE VIDA (Extraña Forma de Vida / Strange Way of Life)



Meu respeito e admiração por Pedro Almodóvar remonta ao início de minha cinefilia. Lembro-me de quando a revista SET fez uma eleição dos melhores filmes da década de 1980, na edição de dezembro de 1989 (se não me engano), e MULHERES À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS (1988) ficou na décima posição. [Para dar a informação completa, o primeiro lugar ficou com ASAS DO DESEJO, de Wim Wenders; seguido de OS ELEITOS, de Phillip Kaufman (2º colocado); FANNY E ALEXANDER, de Ingmar Bergman (3º); TOURO INDOMÁVEL, de Martin Scorsese (4º); RAN, de Akira Kurosawa (5º); OS INTOCÁVEIS, de Brian De Palma (6º); CABRA MARCADO PARA MORRER, de Eduardo Coutinho (7º); UMA CILADA PARA ROGER RABBIT, de Robert Zemeckis (8º); e CASANOVA E A REVOLUÇÃO, de Ettore Scola (9º).]

Ou seja, desde o início fui convidado a celebrar o cinema do diretor, mesmo sem conhecê-lo o bastante. Lembro-me com carinho do meu primeiro Almodóvar no cinema, que aconteceu um pouco depois dessa eleição. Foi com ATA-ME (1989), visto provavelmente em 1990, no saudoso Cine Center Um. Ali o cineasta já havia me ganhado, mas acredito que não totalmente, já que só comecei a ficar de fato apaixonado pelo seu trabalho quando compreendi que as comédias da fase inicial são tão derramadas de emoção e sentimento quanto seus melodramas da fase mais madura, a partir de A FLOR DO MEU SEGREDO (1995).

Infelizmente ESTRANHA FORMA DE VIDA (2023) me fez voltar alguns passos, me fez perder um pouco a fé no cineasta, por assim dizer, já que não ingressei no drama dos personagens, nem ri com os aspectos supostamente cômicos que ele promove, ao tentar virar o western do avesso, trazendo personagens homossexuais dentro do ambiente árido do velho oeste, normalmente dotado de uma masculinidade de linha mais tradicional. Na verdade, nunca saí da sessão de um Almodóvar tão decepcionado. Não conto outro curta, LA CONCEJALA ANTROPÓFAGA (2009), pois considero esse apenas uma brincadeira surgida a partir de ABRAÇOS PARTIDOS (2009).

Mas talvez o segredo esteja aí: considerar ESTRANHA FORMA DE VIDA uma brincadeira. O próprio diretor, na entrevista de cerca de 40 minutos que se segue ao curta, conta do quanto para ele foi importante dirigir atores em língua inglesa, trazendo como molde um gênero tipicamente americano, e do quanto sentiu mais liberdade com o formato do curta-metragem, quando pôde experimentar mais. Na verdade, ele parece se esquecer que é Pedro Almodóvar, um gigante que tem cacife suficiente para fazer um longa-metragem bem experimental, se assim o quiser.

Em ESTRANHA FORMA DE VIDA, em nenhum momento me senti envolvido pelos personagens, pelos aspectos visuais ou pela trama, que narra a reunião de dois caubóis que viveram momentos de intimidade no passado apó 25 anos. As circunstâncias, porém, não os beneficiam. E nem se trata aqui de não se identificar com a orientação sexual dos personagens, já que eu me emocionei bastante com a cena do reencontro dos dois namorados do passado em DOR E GLÓRIA (2019). Ou seja, fiquei com a má impressão de que Almodóvar estava um tanto preguiçoso, até. Claro que está lá na marcas do autor, como a questão da prisão, uma espécie de fetiche já apresentada no já citado ATA-ME, mas também de maneira mais perigosa, em A PELE QUE HABITO (2011), ou dramática, em CARNE TRÊMULA (1997). No novo filme, depois de ficar ferido de bala pelo personagem de Pedro Pascal, o personagem do xerife de Ethan Hawke, é tratado na cama pela pessoa que o feriu, mas que também o ama e deseja.

Embora não tenha gostado o tanto que gostaria, achei interessante ver o quanto Almodóvar chegou em tão alto prestígio que conseguiu vender um curta-metragem em salas de cinema no mundo todo, quando sabemos que se trata de um formato rejeitado, muito pouco comercial. Mas o que eu quero mesmo é ver o novo filme falado em espanhol do mestre. Almodóvar em inglês até agora não funcionou para mim. A boa notícia (e talvez com uma má notícia junto) é que ele tem dois projetos de longa-metragem em andamento: um em espanhol, outro em inglês. Estou também ansioso para que saia a edição brasileira de El Último Sueño, o livro de textos autobiográficos escritos pelo cineasta.

Quanto à entrevista que vem como bônus, o que acharam dele dizer que os filmes do western spaghetti, exceto os de Sergio Leone, e um ou outro do Sergio Corbucci, não são bons? Não sou um grande conhecedor do subgênero, mas imagino que é uma opinião controversa, especialmente entre os fãs. Confere? Além do mais, que entrevista mal editada, com uma moça que não parecia interessada em ouvir o entrevistador. Podiam ter entregado a algum crítico francês que o resultado sairia bem melhor.

+ DOIS FILMES


O JOGO DA GUERRA (The War Game)

Não deixa de ser uma ironia um falso documentário ganhar o Oscar de melhor documentário. E uma vez que sabemos da longa trajetória de tentativas de exibição de O JOGO DA GUERRA (1966), especialmente na televisão britânica, e do quanto foi considerado perigoso pelo governo do país, ganhar "documentário" foi uma vitória e tanto, já que o que é mostrado – cidades da Inglaterra sofrendo um ataque nuclear – era bastante realista naquele cenário da guerra fria, ainda mais que fazia apenas 20 anos que as duas bombas atômicas haviam devastado Hiroshima e Nagasaki. O tom deliberado de narração radiofônica, ou de cinejornais, proposto por Peter Watkins, junto com o realismo das imagens, certamente causou muito impacto em que o viu na época. Chamou-me muito a atenção o humor ácido, especialmente quando há comentários sobre a igreja católica, mas também quando deixa bem evidente o racismo dos ingleses. Filme visto no box Clássicos Sci-Fi – Pós-Apocalipse.

NINGUÉM VAI TE SALVAR (No One Will Save You)

Esta sci-fi/horror tem um pouco a cara das produções do(s) gênero(s) que surgiram durante a pandemia, ao mostrar uma pessoa isolada passando por situações de perigo e provação. Somos apresentados à jovem Brynn (Kaitlyn Dever, de FORA DE SÉRIE), que tem uma rotina de vida em que prefere a solidão. Só aos poucos saberemos o que a motivou a se desligar das pessoas e a estar sempre escrevendo cartas para uma moça que teria morrido. A trama de NINGUÉM VAI TE SALVAR (2023) começa pra valer até que bem rápido, com a chegada de um alienígena em sua casa. Um dos grandes méritos do filme de Brian Duffield (ESPONTÂNEA, 2020) foi ter conseguido contar uma história com quase zero de diálogo. Nesse sentido, vale destacar também a bela performance de Dever, numa interpretação bastante física, inclusive do ponto de vista da violência do próprio corpo.

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