domingo, julho 11, 2021

IRMÃS DIABÓLICAS (Sisters)



Ando irritadíssimo atualmente por conta de problemas em meu computador. Felizmente comecei a experimentar o iPhone para escrever textos para o blog e muitas vezes o resultado sai até melhor. Em breve estarei com um computador novo ou com um bom upgrade. Enquanto isso, escrevo sobre mais um De Palma no conforto da poltrona, mas não sem antes ter lido mais um capítulo bastante revelador do livro Brian De Palma’s Split-Screen.

Depois de ver e/ou rever os primeiros filmes do cineasta, cheguei ao momento que eu mais queria: a transição do De Palma emulador de Godard para o De Palma fazendo suas homenagens a Hitchcock. E a celebração não é apenas pelo fato de eu ter uma queda maior pelos gêneros suspense e terror, mas por ser bem visível o salto de qualidade que o cineasta deu, principalmente se compararmos sua fraca primeira experiência em Hollywood com O HOMEM DE DUAS VIDAS (1972). Aqui, em IRMÃS DIABÓLICAS (1972), de forma independente e sem nenhuma interferência de produtor, ele resolve inclusive adotar um roteiro mais fechado, com um plot bem estruturado, além de um trabalho mais desenvolvido de montagem - em vez de longos takes de gente conversando, como nas comédias anteriores.

Aqui, além de uma clara homenagem a PSICOSE, há outros momentos claramente hitchcockianos (homenagens a FESTIM DIABÓLICO e JANELA INDISCRETA), além da presença célebre de Bernard Herrmann, o principal compositor das trilhas do mestre do suspense, que nessa época havia se desentendido com o Hitch. O tom mais over da violência gráfica e da dramaticidade, provavelmente herdado dos gialli, comparece também de forma elegante. E há algo puramente depalmiano, que é a obsessão pelo duplo, aqui representado pela história de duas irmãs siamesas separadas. 

Somos apresentados a uma doce e um tanto perturbada modelo e atriz vivida por Margot Kidder e, mais adiante, à jornalista vivida por Jennifer Salt, que tentará desvendar o assassinato. O barato do final do filme é o quanto ele se rende a um tipo de delírio que nos contagia. Gostei muito do ator que faz o marido da protagonista, William Finley, colaborador do diretor desde o curta-metragem O DESPERTAR DE WOTON (1963) e também presente em MURDER À LA MOD (1968). Um ator perfeito para tipos vilanescos caricatos e que estaria presente na obra seguinte do diretor, O FANTASMA DO PARAÍSO (1974).

Lendo sobre os bastidores e sabendo um pouco mais sobre os aspectos mais pessoais da vida do diretor, soube o quanto De Palma usou seus filmes como divã. Em entrevista, ele confessou que quando uma garota parecia não estar a fim dele, depois de ele muito tentar ficar com ela, o jovem De Palma a seguia para se certificar se ela estava namorando outro rapaz. Essa questão do vouyeurismo tão presente em suas obras aparece no filme logo no início, em um quadro de um programa de TV em que uma suposta câmera escondida mostra a reação de um homem diante de uma mulher que se finge de cega e começa a tirar a roupa em um ambiente privado. A atriz que interpreta a moça cega é Danielle (Margot Kidder, que ficaria famosa depois como a Lois Lane de SUPERMAN - O FILME).

O homem da suposta pegadinha, Phillip (Lisle Wilson), convida Danielle para jantar e depois de se livrarem do ex-marido da jovem, eles partem para o apartamento dela em Staten Island. Um momento causa certo incômodo, que é o fato de Danielle estar claramente “alta” pela bebida e Phillip se aproveitar dessa situação. Não sei o quanto isso repercutiu na sociedade daquele início dos anos 1970, mas hoje certamente é algo problemático.

Os dois fazem sexo, a câmera se aproxima da cicatriz de Danielle, a cicatriz que a separou de sua irmã siamesa. Quando Phillip acorda, sabendo que ela tem essa irmã gêmea, faz a gentileza de ir a uma confeitaria para comprar um bolo de aniversário. Enquanto isso, Danielle, ao perder suas pílulas que controlam algum tipo de distúrbio psiquiátrico, se transforma em Dominique e recebe Phillip com facadas na boca e no sexo. A cena é bem gráfica e violenta e a trilha de Herrmann enfatiza a forte relação que o filme tem com PSICOSE. Detalhe biográfico: De Palma se ressentia com o fato de sua família se esquecer de seu aniversário quando criança.

Phillip, ensanguentado, tenta pedir ajuda pela janela e é visto por Grace (Jennifer Salt), do prédio ao lado. Ela, como jornalista investigativa, liga para a polícia e segue até o apartamento de Danielle. A jovem perturbada que acabou de cometer um crime, por sua vez, é ajudada por seu marido Emil (Finley), que esconde o corpo dentro do sofá e limpa a casa enquanto a polícia e a jornalista se aproximam. Esse instante é um dos melhores do filme e um dos mais brilhantes usos da técnica do split-screen por De Palma, pois é o momento em que há uma transição de identificação por parte do espectador, de Danielle para Grace. Como acontece com a mudança de perspectiva de Janet Leigh para Vera Miles em PSICOSE.

Mas não é tão simples assim, já que tanto podemos torcer pelos criminosos quanto pela jornalista. Ou nos dividimos com ambos. Ou seja, De Palma até torna esse recurso tão próprio de Hitchcock em algo psicologicamente mais complexo.

Mais à frente, o diretor também colocará em extremo perigo a figura do voyeur, no caso Grace, que sai para investigar Danielle e Emil em uma clínica psiquiátrica e acaba sendo presa como uma louca, e tendo alucinações que a levam a se identificar com Dominique, a irmã gêmea de Danielle que morreu durante a cirurgia de separação. Detalhes envolvendo sexo entre Emil e Danielle quando as duas irmãs ainda estavam grudadas são mostrados como um pesadelo. E essa sequência é certamente a mais delirante de todo o filme.

Outro detalhe biográfico: a marca de nascença de Emil foi feita em “homenagem” ao irmão de De Palma, Bruce, que era mais querido pelos pais do que Brian e também possui uma grande marca de nascença. Além do mais, Brian se ressentia do fato de ter nascido de uma gravidez não planejada, de ter nascido como um “erro”, diferente do irmão. Essa rivalidade com o irmão ainda renderia muito na obra do cineasta e em IRMÃS DIABÓLICAS, Brian seria Dominique, a irmã rejeitada.

Ou seja, casa vez mais estou vendo que a revisão da obra de De Palma será bem mais prazerosa do que eu imaginava.

+ DOIS FILMES

JEAN GARRETT - O CINEASTA QUE VEIO DO MAR

Em busca de algum documentário ou página do YouTube que ajude a aprofundar o meu conhecimento sobre o trabalho de Jean Garrett, encontrei este documentário em curta-metragem feito como trabalho de faculdade e produzido aqui no Ceará e que ajuda a fazer uma conexão entre o Garrett que surgiu de Portugal e chegou na Boca do Lixo como um faz-tudo e o esteta que se transformou no período curto de vida e de tempo como cineasta. JEAN GARRETT - O CINEASTA QUE VEIO DO MAR (2017), de Luca Salri, oferece uma colagem muito bonita de imagens que comprovam o olhar muito especial que Garrett possuía, muito disso, segundo o documentarista, influenciado pelas fotonovelas.

HAUSU

Não foi um filme fácil pra mim, por mais que eu adore bizarrices, mas não dá pra ficar indiferente a esta experiência tão única. Não sabemos se é pra rir ou para ficar com medo. Às vezes é como se a Mary Poppins fosse parar em um filme de casa assombrada, na falta de outra referência. Ao que parece, mesmo para os japoneses, HAUSU (1977), de Nobuhiko Obayashi, foi uma surpresa e tanto. Na história, sete moças, colegas de escola, vão para a casa da tia de uma delas, a bonita. Sim, tem esse detalhe: cada uma é chamada por sua característica: tem a prof (a intelectual), a mac (a faminta), a kung-fu (a que sabe artes marciais), a fantasia, a harmonia, e por aí vai. Então, desde o começo, inclusive com um uso bem intenso de muitas cores, fica essa impressão de estarmos vendo um bizarro filme infantil. As coisas começam a mudar lá pela meia hora, quando inicia-se uma fusão ainda mais bizarra do horror com a fantasia e talvez a comédia. Destaque para inúmeras técnicas e efeitos muito criativos, como a cena em que o piano engole literalmente a harmonia. Não há intenção de fazer efeitos realistas e muitas vezes o diretor apela para a animação e para muito jogo de luzes. Filme presente no box Obras-Primas do Terror 5.

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