segunda-feira, julho 19, 2021

O FANTASMA DO PARAÍSO (Phantom of the Paradise)



Na aurora da minha cinefilia, além dos poucos cinemas que haviam na cidade, da revista SET e das possibilidades de guardar para mim os cadernos de cultura de jornais de São Paulo assinados pelo banco onde eu trabalhava, sempre que era possível, havia filmes muito bons que eram exibidos na televisão. A Rede Globo exibia alguns clássicos maravilhosos no Corujão e às vezes na Sessão de Gala, mas era a Band que ajudava a fazer a festa dos cinéfilos, com sessões legendadas de filmes de arte – ou cinema de autor, melhor dizendo. Foi numa dessas sessões que eu vi O FANTASMA DO PARAÍSO (1974), de Brian De Palma, pela primeira vez. Como já faz muito tempo, apenas algumas cenas e a atmosfera do filme se mantiveram em minha memória.

Mas confesso que esse não era o filme de De Palma que eu mais ansiava rever. Talvez por não se categorizar exatamente como uma obra de suspense ou mesmo de terror, embora possa ser vista, sim, como tal. Principalmente terror. Mas havia algo que eu não estava acostumado, que era o senso de humor do cineasta que impregnava a obra, cujo tom mais hiperbólico tem tudo a ver com a ópera, mas uma ópera-rock. Quanto a ser uma ópera-rock, isso fica óbvio, tanto pela substituição do termo “Ópera” do romance gótico francês O Fantasma da Ópera, por outra palavra ("Paraíso"), quanto pela adoção do espírito daquela época, o rock da década dos anos 1970 (David Bowie, Led Zeppelin, principalmente).

Essa aproximação de Brian De Palma com o rock já se podia ser notada desde seus primeiros filmes. QUEM ANDA CANTANDO NOSSAS MULHERES (1968) era uma tentativa de se aproximar dos filmes dos Beatles dirigidos por Richard Lester. E, mais adiante, em DUBLÊ DE CORPO (1984), o cineasta incluiria um videoclipe no meio do filme, da banda Frankie Goes to Hollywood. Até acho estranho ele não ter enveredado mais pelo território do videoclipe. Há mais um registro apenas de “Dancing in the Dark”, de Bruce Springsteen, com direção sua.

O FANTASMA DO PARAÍSO conta a história de Winslow Leach (William Finley), um compositor e aspirante a cantor que tem uma de suas canções (na verdade, trecho de uma ambiciosa cantata) roubada por Swan, um figurão misterioso da indústria musical, vivido por Paul Williams. William Finley foi um ator que participou dos primeiros filmes de De Palma – seu papel em MURDER À LA MOD (1968) já era um prenúncio deste, que é seu papel mais importante, o fantasma que apavora os donos do teatro e às vezes também o público. A figura esguia de Finley combina muito bem com o personagem Winslow Leach, que, depois de tentar entrar no teatro de Swan, é preso pela polícia, tem seus dentes arrancados, consegue escapar, mas depois sofre um acidente que torna seu rosto e sua voz irreconhecíveis.

Ao conseguir entrar novamente no teatro, ele começa a utilizar uma capa e uma máscara que se assemelha a uma ave de rapina para disfarçar sua deformidade. Sua intenção é se vingar de Swan. Além disso, ele tem um interesse amoroso por Phoenix, uma jovem e bela cantora vivida por Jessica Harper, atriz que hoje em dia, pelo menos para mim, é mais associada a SUSPIRIA, de Dario Argento, feito alguns anos depois. De fato, Jessica é apaixonante com seu sorriso e sua voz (na verdade, acredito que ela seja dublada nas cenas em que canta). Ainda assim, confesso que acho a personagem bastante superficial. Aliás, o filme todo não tem uma intenção de aprofundar seus personagens. É um outro tipo de dramaturgia adotada.

Sem conseguir mais vencer fisicamente o "Fantasma", Swan tenta convencê-lo a aliar-se a ele, assinando com sangue um contrato. A semelhança com “Fausto” já é entregue desde o começo, já que as canções de Winslow são uma releitura do mito germânico. Assim, o pobre Winslow assina uma espécie de contrato que, mais adiante, o impedirá até mesmo de tirar a própria vida, quando estiver em circunstâncias extremamente dolorosas, como quando ele vê, do alto da janela de um edifício, sua amada na cama com Swan.

Como o filme tem esse tom mais operístico e desmesurado, até a velocidade da narrativa muitas vezes é apressada, tornando seus personagens mais próximos de caricaturas ou sombras. O próprio clímax pode ser associado à velocidade de alguns rocks da época, tanto é que as coisas acontecem ao som de uma barulheira dos infernos no teatro, com o público invadindo tudo sem ter muita noção do que está fazendo, como sob influência de drogas.

O filme foi uma espécie de resposta do cineasta ao que ele sofreu quando foi trabalhar em Hollywood pela primeira vez, com O HOMEM DE DUAS VIDAS (1972), e teve seu trabalho roubado e mutilado. Assim, Winslow seria uma representação de De Palma, e Swan, a representação dos executivos da indústria do cinema - IRMÃS DIABÓLICAS (1972) e O FANTASMA DO PARAÍSO foram filmes feitos de forma independente. Os roteiros, ele os comprou de volta. Felizmente, depois de muita luta, De Palma estava colocando sua carreira nos trilhos.

+ DOIS FILMES

DESORDEM EM PROGRESSO

A preocupação de Carlão Reichenbach com questões sociais e dramas humanos de pessoas de menor poder aquisitivo era tão presente e inquietante que seu retrato da vida urbana em São Paulo para o filme em segmentos CITY LIFE (1990) é também marcado por esse estado de convulsão. O próprio personagem principal já se apresenta como alguém que não teve paciência para estudar, que prefere fazer várias coisas ao mesmo tempo e ficar na rua. Senti muita aproximação com a própria personalidade do diretor, que tinha sempre vários projetos na agulha e mil ideias na cabeça. Em “Desordem em Progresso”, não há apenas um protagonista; há outras pessoas que também estão passando por situações de angústia frente ao futuro e ao que o país pode oferecer. Como o jovem soldado negro que pretende deixar o exército e tentar o caminho das artes; ou o rapaz que é rejeitado pelo namorado, que prefere assumir uma vida yuppie e ser bem-sucedido financeiramente, mesmo que para isso tenha que usar uma máscara perante a sociedade. O final, ao som de "Lugar nenhum", dos Titãs, traz esse ar rebelde e também cosmopolita de São Paulo, mas fica parecendo uma forma de espantar ou disfarçar a melancolia. Que bom que alguém teve a iniciativa de postar esta raridade no YouTube.

CHICO VENTANA TAMBÉM QUERIA TER UM SUBMARINO (Chico Ventana También Quisiera Tener un Submarino)

Um filme que vale bastante pela experiência diferente. Até poderíamos lembrar de QUERO SER JOHN MALKOVICH, na proposta de mostrar personagens entrando e saindo de lugares bem distintos e distantes em situação surreal. Mas aqui se trata de algo mais simples, mais interessado na textura das imagens (quase sempre na penumbra) e na solidão dos personagens, principalmente o rapaz do cruzeiro e a moça do apartamento. A outra parte da trama se passa em uma aldeia nas Filipinas. CHICO VENTANA TAMBÉM QUERIA TER UM SUBMARINO (2020), de Alex Piperno, explora pouco essa comunidade e isso acaba causando um estranhamento quando simplesmente ela é deixada de lado por muito tempo para contar de maneira minimalista a história de um tripulante de um cruzeiro de luxo passando pela Patagônia e essa porta que ele descobre que vai dar em um outro lugar. O que talvez tenha me incomodado tenha sido o quanto esses elementos fantásticos despertaram muito pouco de maravilhamento de minha parte. Os simbolismos podem ficar para reflexão posterior.

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