segunda-feira, dezembro 07, 2020

M8 - QUANDO A MORTE SOCORRE A VIDA



Vivemos um momento em que finalmente certos temas têm vindo à tona de maneira explícita. Entramos no século XXI e os temas do machismo e do racismo estão muito presentes, até porque também é um momento em que a extrema direita se estrebucha, inconformada, com os progressos que as classes menos favorecidas da sociedade vêm conquistando aos poucos. Por isso a política de cotas, ainda que polêmica para alguns, segue sendo uma saída importante para a diminuição das desigualdades sociais.

M8 - QUANDO A MORTE SOCORRE A VIDA (2019), de Jeferson De, utiliza elementos sobrenaturais emprestados do cinema de horror para contar uma história sobre invisibilidade e preconceito. Na trama, Maurício (Juan Paiva) é um rapaz que ingressou na Faculdade de Medicina, mesmo sendo preto e de família humilde. E de fato ele é o único jovem negro da turma, o que já o coloca em uma situação um pouco desconfortável. Afinal, há quem o confunda com alguém que trabalha nos serviços gerais da universidade. 

Na aula de anatomia, ele percebe que os três corpos utilizados para serem dissecados durante as aulas são de pessoas negras. E um desses corpos surge para ele em sonhos, faz uma espécie de comunicação com ele. Ao mesmo tempo, ele percebe o grupo de mulheres que protesta nas ruas pelo desaparecimento de seus filhos. E Maurício passa a acreditar na hipótese de que pelo menos um daqueles cadáveres é de uma pessoa desaparecida e conta isso para seu pequeno clube de amigos (um deles, sua namorada). 

O filme é um convite à reflexão sobre o racismo presente no do dia a dia, como no momento em que o colega de Maurício, no ônibus, apenas por estar perto de um rapaz negro, se sente desconfortável achando ser ele um ladrão. Mais duro ainda é quando a polícia confunde Maurício com um ladrão e já age da maneira mais violenta. Detalhe: um dos policiais que o agride é também negro. Ou seja, o Estado não tem o menor interesse em ter uma postura mais humanista e menos racista. "O que você está fazendo em bairro de playboy?", pergunta o policial a Maurício. 

Levando em consideração o que foi exposto, é possível que o filme tenha um aspecto panfletário, mas talvez hoje em dia certos assuntos precisem ser ditos da maneira mais direta possível. O próprio Spike Lee, aquele que talvez seja o cineasta negro mais atuante e mais longevo no trato com o tema, tem preferido adotar uma postura mais direta, tanto para protestar quanto para valorizar a cultura negra. E isso vemos em M8 também, que tem uma trilha sonora interessante, com destaque para "Ponta de Lança (Verso Livre)", de Rincon Sapiência. A trama é tecida de maneira envolvente e há momentos de emoção genuína, como na cena mais tocante de Maurício com a mãe (Mariana Nunes).

Aliás, que beleza de elenco de apoio. Além de Mariana, há participações de Zezé Motta, Ailton Graça e pontas de Rocco Pitanga e Lázaro Ramos.

+ TRÊS FILMES

MUDANÇA

É sempre uma dificuldade fazer filme de época no Brasil com a cara e a coragem. Aqui temos uma história ambientada em janeiro de 1985, no dia que Tancredo Neves foi eleito o primeiro presidente do Brasil da redemocratização. E assim como o futuro obscuro mas animador que se apresentava para o país, assim é este terceiro longa de Fabiano de Souza, tanto quando acompanha a história do menino vivido por Guili Arenzon, quanto a do seu pai, o sociólogo vivido por Gustavo Machado. MUDANÇA (2020), de Fabiano de Souza, ainda conta com uma Rosanne Mulholland tão bela quanto misteriosa e um Fernando Alves Pinto vivendo um sujeito pouco confiável. O tom solar ainda que ligeiramente agridoce do final parece positivo frente à jornada pela noite do jovem. Mas sabemos como é este país e suas pegadinhas de mau gosto.

CASA DE ANTIGUIDADES

O único filme brasileiro escolhido para integrar a inexistente edição de Cannes-2020 foi esta estreia na direção de João Paulo Miranda Maria, diretor de A MOÇA QUE DANÇOU COM O DIABO (2016), curta que obteve uma boa repercussão nos festivais e que já se destacava pela beleza plástica. Em CASA DE ANTIGUIDADES (2020), gosto especialmente dos efeitos no céu em dois momentos específicos do filme. Houve, porém, uma série de dificuldades para mim. Não é nem pelo andamento bem lento, mas pela dificuldade de o filme passar um sentimento de mal estar frente a cada agressão feita ao personagem de Antonio Pitanga. Além do mais, o começo do filme, com aquela ênfase nazista e uma alfinetada à elite do sul do país, acaba se perdendo no desenvolvimento, assim como o nosso interesse pelo protagonista ou os demais personagens que surgem. De todo modo, há uma rebeldia bonita de ver do homem que veio do norte, e o que ele adota como vestimenta é algo que traz um ar surreal interessante. Mas não foi o suficiente para me ganhar.

O CEMITÉRIO DAS ALMAS PERDIDAS

Já é o quinto longa-metragem de Rodrigo Aragão, mas o primeiro que vi, por vacilo meu, já que ele é talvez o mais próximo que podemos dizer de um herdeiro de Mojica. O que vi em CEMITÉRIO DAS ALMAS PERDIDAS (2020) foi uma obra que mergulha fundo no gênero horror com direito a mortos-vivos, feitiços satânicos e muito gore, mas também com doses de aventura. As duas linhas do tempo são bem costuradas para chegar ao clímax, no cemitério do título. Gosto mais dos dois terços iniciais, em que o dom de narrar uma história e de reverenciar o gênero se apresentam de maneira admirável. Os efeitos especiais são ótimos, ainda mais levando em consideração o esquema de guerrilha da produção. E há um vilão que assume o protagonismo que é muito bom. Cena mais memorável: o ataque dos índios canibais.

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