quinta-feira, dezembro 10, 2020

MANK



Um dos filmes mais aguardados do ano, MANK (2020), de David Fincher, finalmente chega e deixa, para muitos, um gostinho de desapontamento. Afinal, o último longa-metragem do cineasta havia sido o ótimo GAROTA EXEMPLAR (2014) e já faz um bom tempo. Fincher vinha se dedicando à série MINDHUNTER (2017-2019), uma série tão boa que acabou por enfatizar o nome já cultuado do diretor. Inclusive, há quem tenha um pouco de raiva de MANK por ter sido um possível impedimento para a continuidade da série. Mas parece que a história não é tão simples em se tratando da descontinuidade da série.

MANK estava desde o início do ano sendo esperado como o grande filme cotado ao Oscar 2021, o que aliás até pode se concretizar, principalmente em aspectos técnicos, mas o fato de ter desagradado a muitos espectadores e vários críticos e também de não ter entrado no top 10 das produções mais assistidas da Netflix durante sua semana de lançamento pode ser um fator a depor contra. De todo modo, a expectativa de popularidade de MANK talvez estivesse sendo um pouco exagerada, já que é um filme que deve interessar a um público menor, o de fãs do cineasta e o de interessados pelos bastidores da velha Hollywood.

E eu me incluo mais no segundo grupo, embora aprecie também o trabalho do diretor. E achei uma pena que o filme tenha sido uma tarefa tão penosa para mim, por mais que em alguns momentos eu tenha gostado. O fato é que MANK é um filme muito travado, talvez por um excesso de respeito ao roteiro escrito pelo pai, Jack Fincher, e também respeito ao universo que desejava emular, o de CIDADÃO KANE.

Inclusive, ver CIDADÃO KANE é um pré-requisito para ver MANK. E não apenas ver a obra-prima de Orson Welles, mas também saber um pouco das histórias por trás de um dos filmes mais cultuados do mundo pode tornar a tarefa de ver MANK menos árdua. Eu, pelo menos, comecei a ver o filme em partes (por achar bem pouco fluido), enquanto tentava buscar interesse durante a leitura (ótima) do famoso ensaio de Pauline Kael, "Criando Kane", publicado em livro aqui no Brasil pela Editora Record.

O texto de Kael é longo e é uma delícia. O fato de ser contestado e pouco confiável acaba sendo um mero detalhe, levando em consideração que ele parece ser a base para a tese do filme, de que Herman J. Mankiewicz seria o verdadeiro autor de CIDADÃO KANE, ou pelo menos o principal responsável pela existência da obra, em um momento em que a teoria dos autores estava sendo fortemente aceita. Acontece que mesmo os adeptos do autorismo concordam que o cinema é, sim, uma arte colaborativa. Afinal, o que seria do filme também sem a excelente fotografia de Greg Toland o a música de Bernard Hermann? Isso para citar o nome de apenas dois técnicos extraordinários.

Mas, sim, é importante o fato de que o filme celebre e enfatize a importância do roteirista na construção de uma obra cinematográfica. Até hoje são poucos os roteiristas que ganham nome na indústria. Recentemente podemos citar o caso de Charlie Kaufman, que depois se tornou também diretor. Mas o que acontecia na década de 1930 em Hollywood era muito mais grave. Mankiewicz foi contratado por Welles para ser um ghost writer. E aceitou a proposta. Afinal, já estava acostumado a colaborar em Hollywood para grandes sucessos sem ser creditado. O que ele quis, ao final, foi ser, daquela vez, creditado. Nada mais justo. O fato de ter ganhado o único Oscar do filme, o de roteiro, junto com Welles, não deixa de ser uma pequena desforra.

Quanto à obra de Fincher, é uma pena que o cineasta tenha se perdido tanto em sua obra, que parece toda errada. A trilha sonora de Trent Reznor e Atticus Ross pode até ser boa, mas, junto ao filme, parece contribuir para uma sensação de desconforto que a obra provoca em sua incapacidade de despertar o interesse, seja pelos personagens, seja pela trama, de causar um mínimo deleite no espectador interessado em histórias de Hollywood, ou simplesmente em boas narrativas.

Talvez MANK tenha absorvido, inconscientemente, o cinismo de seu protagonista, seu sentimento de amargura em relação a Hollywood, especialmente os produtores e seu jogo político, que também encontra fortes paralelos com os Estados Unidos da era Trump. Esse cinismo e esse desinteresse com a vida em si acaba também tornando o personagem de Mank irritante, pouco atraente. O fato de ser um alcoólatra também contribui e a performance de Gary Oldman parece estar sempre acima do tom. A cena em que ele solta os cachorros em uma festa de William Randolph Hearst (Charles Dance) e vomita no lugar era para ter sido um grande momento. Infelizmente não é. 

Mesmo a personagem Marion Davies, estrela da Hollywood da era silenciosa, vivida por Amanda Seyfried, que deveria ser uma espécie de raio de sol para o filme, acaba não significando muita coisa, não passando sentimento. Talvez seja esse o principal problema do filme como um todo: a falta de sentimento. Por mais que se queira construir um filme amargo e cínico, mesmo esses sentimentos poderiam estar presentes de maneira minimamente eficiente.

O que sobra é uma tentativa de fazer algo parecido com CIDADÃO KANE, mas que fica no meio do caminho. Afinal, por que filmar em janela 2,20:1 quando se podia filmar em 1,37:1, já que havia um interesse em emular o filme de Welles? Por que não fazer em película em vez de digital e simulando de vez em quando uns cigarrette burns? Mas isso é o de menos para um filme que promove tédio até mesmo em fãs de histórias da tão querida, ainda que falha, velha Hollywood.

+ TRÊS FILMES

ALICE GUY-BLACHÉ - A HISTÓRIA NÃO CONTADA DA PRIMEIRA CINEASTA DO MUNDO (Be Natural: The Untold Story of Alice Guy-Blaché )

A história apagada, mas aos poucos reconstruída, desta cineasta fundamental para a História do Cinema mundial, é ao mesmo tempo feliz, por estar havendo uma descoberta empolgante, pois é um trabalho de arqueologia que está sendo feito, mas também bastante triste, principalmente quando vemos trechos de seus filmes e percebemos que ali há coisas geniais, coisas que vão muito além do simples fato de ela ter sido a primeira cineasta mulher. Fiquei curioso para ver os filmes. ALICE GUY-BLACHÉ - A HISTÓRIA NÃO CONTADA DA PRIMEIRA CINEASTA DO MUNDO (2018), o documentário de Pamela M. Green, tem uma dinâmica que funciona muito bem na primeira hora, mas que vai se tornando cansativa com a repetição do estilo. Ainda assim, é um prazer poder ver.

ESTOU PENSANDO EM ACABAR COM TUDO (I'm Thinking of Ending Things)

O que dizer de um filme que traz cenas incrivelmente fascinantes e algumas discussões bem interessantes, mas que, no balanço, tem um monte de sequências insuportáveis e de deixar a gente "pensando em acabar com tudo"? Gosto muito da direção de arte. Já chama a atenção as roupas da protagonista (gostei bastante de Jessie Buckley) com os detalhes do papel de parede da casa do namorado estranho (Jesse Plemons). Curto demais a cena no carro na nevasca, com uma construção atmosférica de dar gosto. Mas depois entra uma solução que tira totalmente o prazer que o filme muito duramente havia conquistado. De todo modo, como ESTOU PENSANDO EM ACABAR COM TUDO (2020) é um filme que trata de assuntos delicados, é bom prestar atenção em alguns detalhes, de modo a vê-lo com um olhar mais carinhoso. Infelizmente está mais para SINÉDOQUE, NOVA YORK (2008) do que para ANOMALISA (2015), para citar filmes dirigidos por Charlie Kaufman.

MAGNATAS DO CRIME (The Gentlemen)

Parece que Guy Ritchie perdeu toda a vergonha na cara com este filme, no que se refere às comparações que se fazia no começo de sua carreira com Tarantino. Em MAGNATAS DO CRIME (2019), ele imita até a famosa tomada clássica do porta-malas de carro do seu colega americano. Mas é um filme que tem o seu charme, tem um elenco bacana. Arranjaram um jeito de incluir um americano carismático (Matthew McConaughey) para contracenar com um bom elenco britânico. E tem o Hugh Grant, que pra mim sempre foi um chamariz. Ele continua divertido, mesmo em um filme que muitas vezes é maçante, mesmo quando tenta ser esperto. Ainda assim, deu pra se entreter. Mas bem que podiam ter diminuído a duração. Chega uma hora que cansa mesmo. E olha que vi no cinema, numa projeção boa e tudo mais.

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