segunda-feira, setembro 19, 2016

ROSAS SELVAGENS (Les Roseaux Sauvages)























Mais de 20 anos depois de ter visto ROSAS SELVAGENS (1994) em gloriosa película, tive a chance de revê-lo, desta vez em digital, na mostra New Queer Cinema – Segunda Onda. Como a memória costuma trair muito a gente, entrar em contato novamente com esta obra de André Téchiné depois de tanto tempo é como reencontrar alguém que a gente havia esquecido, mas que aos poucos vamos lembrando e vendo o quanto é especial.

Uma das coisas que havia ficado na memória com mais força era a presença radiante de Élodie Bouchez, então com apenas 20 anos, mas interpretando Maïté, uma moça ainda mais jovem. Ela e os outros três protagonistas são pessoas que se sentem deslocadas diante daquilo que a sociedade lhes impõe. No caso, ela não se importa em namorar, ou fingir que está de namoro com um rapaz que não tem interesse em moças, mas que sente atração por outros rapazes, o amigo François (Gaël Morel). Até por não saber direito o que fazer com seus sentimentos conflitantes ou confusos.

Eles são os novos incompreendidos, para citar o nome do filme de estreia de François Truffaut. O nome do personagem de Morel, aliás, pode ser mais uma homenagem que Téchiné faz ao homem que amava o cinema (e as mulheres, e os livros). A homenagem mais explícita aparece em uma cena em que François olha para o espelho e afirma "você é uma bicha, você é uma bicha, você é uma bicha", repetidas vezes, como um misto de autoafirmação e de condição marginal, fazendo referência a uma cena de BEIJOS PROIBIDOS. E ainda que o filme se passe no início da década de 1960, durante a guerra da Argélia, a naturalidade com que François assume sua condição não deixa de ser ao mesmo tempo estranha e admirável.

Uma das impressões que o filme havia me deixado e que permanece durante a revisão é o gosto proibido que o filme imprime, em especial nas cenas de sexo ou demonstrações de afeto homossexual, quando François se aproxima de Serge (Stéphane Rideau), um rapaz que se mostra a princípio bastante machista, mas que não deixa de aceitar a investida de François. Serge pode ser o modelo de rapaz que se recusa a aceitar que também sente algo, nem que seja no campo físico, pelo colega.

O quarto elemento é Henri (Frédéric Gorny), um rapaz mais velho que os outros e que se sente ainda mais alienígena naquela universo. Mas, por conta de sua idade, ele parece mais confiante de si e mais consciente do que acontece ao redor, como a busca de François por Serge, seu colega de quarto, à noite. Mas, em relação a Henri, o que mais permanece mais forte na memória são os seus momentos com Maïté, em especial no ápice do filme, quando o quarteto está no lago.

O lago, que já havia sido mostrado em uma cena bem erótica de Serge com Maïté, sem que, no entanto, eles tivessem um contato físico. Téchiné consegue com pequenos detalhes nos dar uma consciência dos corpos daqueles jovens, e com essa consciência vem o desejo, que até por serem tão jovens, se manifesta à flor da pele, tão forte quanto um elefante que os atropela. Essa intensidade faz a diferença e por isso tornou ROSAS SELVAGENS marcante para a geração dos anos 1990, e continua mexendo com as gerações seguintes.

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