terça-feira, setembro 27, 2016

LEMBRANÇAS DE UM AMOR ETERNO (La Corrispondenza / Correspondence)























Alguns filmes têm uma pegada tão sentimental que é até compreensível que chegue a ser alvo de ódio de alguns espectadores. Ainda mais os de hoje, que são menos tolerantes a sentimentalidades. Pode ser muito bem o caso de LEMBRANÇAS DE UM AMOR ETERNO (2016), novo trabalho de Giuseppe Tornatore. O filme é um exemplar perfeito de um cinema canceriano por excelência (algo que não via desde ROCKY BALBOA, de Sylvester Stallone), derramando romantismo exacerbado por todos os lados e com personagens trocando juras de amor, ainda que a situação em si seja bastante complicada para os dois.

Até o símbolo do caranguejo aparece em pelo menos duas vezes no filme, seja isso uma coincidência ou não, intenção ou não do diretor. Mas há também a questão do guardar, da força das palavras de afeto, seja em cartas, seja em vídeo. Com a impossibilidade do amor físico dos personagens, o que sobra são as cartas – no caso, ou principalmente, os e-mails recebidos numa tentativa de enfrentar a morte até o último respiro de vida. Uma das coisas que mais pode incomodar, até mesmo para aqueles que curtem a proposta estética do filme é o clima carregado que fica no ar, como de um luto prolongado.

Tornatore leva o tema do amor impossível – pelo menos o amor carnal e presente – a um novo patamar. Aqui não é exatamente uma família que impede o amor do casal, como em Romeu e Julieta, para citar um exemplo clássico, mas algo maior. E esse algo maior é desafiado pelos personagens. E embora seja um filme que fala sobre questões existenciais ligadas à física, à ciência, há também uma carga de mistério e de espiritualidade, ainda que apareça de maneira quase sutil, como na cena do cachorro.

Acho especialmente tocante a primeira sequência, quando o casal de amantes vivido por Jeremy Irons e Olga Kurylenko está se beijando e se abraçando calorosamente antes de se despedirem. Há, naquele momento, um descompasso entre os dois discursos. Ele quer que ela lhe conte um segredo; ela quer focar no amor físico, fala que quer uma camisa dele para sentir o seu cheiro quando dormir. Aquele amor adquire um tom de urgência poucas vezes impresso no cinema recente.

Lembremos que a atriz ucraniana já esteve em uma espécie de filme-ensaio sobre o amor, no arriscado AMOR PLENO, de Terrence Malick. E ela tem uma aura de beleza e um olhar que passa uma melancolia que combina para esse tipo de papel. No caso do filme de Tornatore, vemos Amy, sua personagem, quase sempre desolada, em busca de migalhas deixadas pelo amor de sua vida. Pequenas mensagens, pequenos e-mails rápidos, mas que demonstram uma paixão intensa daquele homem por ela. O fato de ele saber tudo sobre ela, onde estaria em determinado momento é um indicativo de que o mundo dele girava em torno dela, por mais que os encontros fossem escassos para tão grande amor.

Pra completar, o filme ainda conta com trilha sonora do grande Ennio Morricone, este senhor de quase 90 anos que ainda está ativo e fazendo temas tão lindos. A presença da música do maestro é fundamental para a construção deste melodrama que não tem medo de ser melodrama. Algumas notas até lembram o que o músico fez em parceria com Tornatore em sua obra mais conhecida, CINEMA PARADISO (1988). São dois artistas mais uma vez tratando da saudade.

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