
Paul Thomas Anderson, mesmo tendo uma carreira relativamente curta, se firmou como um dos cineastas mais talentosos de sua geração. Mas algo que fui percebendo ao longo de sua filmografia e que se mostrou em altíssimo grau neste O MESTRE (2012) é a sua capacidade de incomodar nosso espírito. Em seus dois primeiros filmes, JOGADA DE RISCO (1996) e BOOGIE NIGHTS – PRAZER SEM LIMITES (1997), não é tão sentido, mas a partir de MAGNÓLIA (1999), esse incômodo vai ganhando mais força.
O uso da música incidental ou mesmo de algumas canções acabam contribuindo para esse sentimento de angústia a partir de MAGNÓLIA e EMBRIAGADO DE AMOR (2002). Com SANGUE NEGRO (2007), Anderson passou a ganhar a parceria de Jonny Greenwood, guitarrista do Radiohead, que está onipresente na saga do homem que enriquece com petróleo. Aquela música às vezes incômoda contrasta com o prazer estético que sentimos ao ver o filme. Essa é, aliás, uma das grandes virtudes da arte em geral, que consegue ao mesmo tempo incomodar e agradar. E se o intuito do diretor é mesmo causar incômodo, é um sinal de que ele foi bem sucedido.
Em O MESTRE, Anderson está em parceria novamente com Greenwood, mas desta vez a música do compositor é bem mais discreta. Há muitas sequências sem música no filme. Anderson resolveu apostar na força das imagens (e das palavras) para causar incômodo. A ponto de eu poder dizer que desgostei do filme, embora tenha por ele respeito. Muito provavelmente por causa do diretor. Porém, perdi a conta de quantas vezes olhei para o relógio, querendo que aquele filme acabasse logo. O peso das horas parecia interminável. Não via com bons olhos a ideia de acompanhar a história de dois homens por quem não nutria a mínima simpatia.
Joaquin Phoenix, como o desajustado e desarranjado Freddy, é um sujeito asqueroso até. E a sua sexualidade à flor da pele é mostrada de maneira animalesca na cena em que ele se masturba na praia. Freddy também tem o hábito de tomar um coquetel em que mistura bebida alcóolica com redutor de tinta e outras coisas que tornam aquilo um veneno. Assim, o sentido de sua vida se resume principalmente ao sexo (ou no pensar em sexo) e às bebidas. E depois de aprontar muita confusão, vai parar num barco em que está presente um sujeito enigmático, o homem por quem Freddy iria seguir como um apóstolo, Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman).
A figura de Dodd gera certa dúvida no começo. Afinal, o filme quer mostrar a imagem de um charlatão pura e simplesmente? No fim das contas, a seita que ele criara, chamada de "A Causa", não é mostrada com muita profundidade. O que se sabe é que ele acredita que viagens no tempo induzidas por hipnose (ou pela própria imaginação) podem ajudar a resolver os problemas da vida presente da pessoa.
Mas a intenção de Anderson não é se aprofundar na doutrina e nos dogmas de Dodd, embora também funcione como uma crítica a certos líderes religiosos, principalmente a L. Ron Hubbard, o escritor de livros de ficção científica e criador da Cientologia. Uma das cenas mais impressionantes, inclusive, é uma em que a personagem de Laura Dern pergunta a Dodd sobre a mudança em determinado "dogma" no segundo livro lançado pelo mestre espiritual.
A intenção de Anderson é provavelmente mostrar a ambiguidade daquele homem, que também tem bons sentimentos, que parece gostar de verdade daquela criatura meio animalesca que ele encontra e que tem a intenção de moldar ao seu gosto, que é o Freddy. Isso se manifesta principalmente no final do filme. Quanto a Phoenix, o ator nunca se mostrou tão torto e tão corcunda. É ele, e não Dodd, a maior representação deste filme, o mais problemático dos trabalhos de Anderson.
O MESTRE recebeu três indicações ao Oscar, nas categorias de ator (Joaquin Phoenix), ator coadjuvante (Philip Seymour Hoffman) e atriz coadjuvante (Amy Adams).