
Falar de NÃO ESTOU LÁ (2007) talvez seja tão difícil quanto falar de um filme de Godard, cineasta com quem, aliás, ele vem sendo comparado. E assim como vários filmes de Godard, a homenagem nada convencional que Todd Haynes preparou para seu ídolo Bob Dylan não é de fácil assimilação. Principalmente para quem não conhece nada do cantor e compositor. Mesmo para os que conhecem, algumas das personas do cantor e compositor talvez resultem confusas, se comparadas com fatos da sua vida. A maior vantagem de NÃO ESTOU LÁ em relação a VELVET GOLDMINE (1998), outro filme-homenagem do diretor, está justamente no fato de que David Bowie não cedeu os direitos de suas canções para o filme, o que resultou numa obra frustrante. Diferente de Bowie, até que Dylan foi bem gente fina com Haynes, dando liberdade para que o cineasta utilizasse suas canções não apenas em sua própria voz, nas gravações originais, mas também na voz de outros intérpretes.
Eu diria que as passagens do filme em que ouvimos o próprio Dylan cantando, enquanto vemos imagens passando na tela como num videoclipe (como em "I want you") são seqüências de puro prazer, que me deixaram mais relaxado e menos preocupado em tentar entender o quebra-cabeças temporal da história de Dylan. A escolha de seis intérpretes para o papel do cantor em diferentes momentos de sua vida foi muito feliz, mas ao mesmo tempo tornou o trabalho de Haynes bem irregular. O que era de se esperar. Eu, por exemplo, gostei muito das partes em que Cate Blanchett imita o Dylan num momento dos mais conturbados e revolucionários de sua carreira, que foi quando ele deixou de ser um tímido cantor de folk para se tornar um arrogante cantor de rock, o que assustou e revoltou centenas ou milhares de fãs do artista, que o acusavam de traidor. Tudo isso é mostrado no documentário NO DIRECTION HOME, de Martin Scorsese, mas ver Cate imitando Dylan num clima de filme de Fellini é muito divertido, com direito até à participação dos Beatles. Essa era a época em que Dylan estava viciado em anfetaminas, o que pode justificar a mudança drástica de personalidade, numa transformação tipo Dr. Jekyl e Mr. Hyde.
Também gostei bastante do Dylan personificado por Heath Ledger, nos anos 70, momento em que ele estava se separando da esposa e que possivelmente gerou o clássico e doloroso álbum "Blood on the Tracks". Já o Dylan vivido por Christian Bale é aquele pré-rock, das canções de protesto. Nessas seqüências, o filme se utiliza do recurso de pseudo-documentário, com Julianne Moore fazendo as vezes de Joan Baez, uma das mulheres que passaram pela vida de Dylan e que não agüentaram o tranco - ou foram deixadas de lado pelo artista de temperamento difícil. Por outro lado, não gostei da encarnação mirim de Dylan, nem da maneira enigmática como Dylan é mostrado, como um Billy the Kid velho (Richard Gere), numa referência clara ao western melancólico PAT GARRET & BILLY THE KID, no qual Dylan contribuiu com a trilha sonora. Já a pouca participação de Ben Wishaw, como o Dylan que adotou o nome do poeta Arthur Rimbau, não pareceu acrescentar muito ao coquetel de Haynes.