segunda-feira, março 03, 2008

...E O VENTO LEVOU (Gone with the Wind)



Usando como desculpa a peregrinação pela obra de George Cukor, me presenteei com o prazer de ver pela terceira vez E O VENTO LEVOU (1939), esse tesouro do cinema mundial e talvez o filme mais popular e arrebatador da história do cinema. Cukor nem foi creditado como diretor do filme, já que abandonou as filmagens por não aguentar as pressões e a obsessão em controlar tudo do produtor David O. Selznick, mas foi Cukor quem preparou todo o elenco e filmou as primeiras tomadas do filme, como a primeira cena, que começa com uma jovem e mimada Scarlet O'Hara, cercada de marmanjos babando por sua beleza, dizendo "war, war, war", em tom de descaso. Quando Cukor "pediu as contas" da produção, foi um chororô geral, principalmente das mulheres, que adoravam a gentileza do diretor. Ele foi substituído por Victor Fleming, que Clark Gable gostava mais, já tinha trabalhado junto antes e era seu amigo e que foi quem ganhou o crédito como diretor do filme no final, apesar de Sam Wood também ter sido escalado para a direção quando Fleming abandonou as filmagens a certa altura, não aguentando mais os bilhetinhos e o controle intenso de Selznick. Por isso que muitos estão certos em dizer que Selznick é o grande autor do filme, sendo Scarlett O'Hara um misto de sua personalidade com a de Vivien Leigh, a atriz inglesa escalada para viver uma sulista dos tempos da Guerra Civil americana.

E de todas as histórias envolvendo a realização de E O VENTO LEVOU é a escalação da atriz que viveria a Scarlett a mais interessante. Na época, o romance de Margaret Michell era um dos maiores best-sellers já surgidos. Estava sendo lido no mundo inteiro. Acho que títulos populares de hoje como "O Código Da Vinci" não podem ser comparados à febre que foi o livro nos Estados Unidos na época. E quando Selznick decidiu, em 1936, adaptar o romance para as telas num projeto mega-ambicioso, todo mundo acompanhou pelos jornais e pelo rádio o desenrolar dos bastidores da pré-produção. Quanto ao personagem de Rhett Butler, a escolha de Clark Gable era uma unanimidade. Nenhum outro ator poderia desempenhar tão bem o papel. Na época, Gable era o maior astro de Hollywood, uma espécie de rei. Mas para chegar à atriz que desempenharia a personagem de Scarlett foi uma novela gigantesca. Nomes famosos como os de Bette Davis, Katharine Hepburn e Paulette Goddard foram descartados e Selznick e Cukor já estavam praticamente desanimados com tantos testes feitos em centenas de candidatas. O fato de Vivien Leigh ter ido passar uns dias nos Estados Unidos e de estar no lugar certo e na hora certa ajudou quando ela foi fazer o teste, já devidamente apresentada por alguém que a via como a Scarlett perfeita. E foi praticamente instantânea a decisão de Selznick e Cukor quanto à escalação da atriz ao ver seu desempenho. Quanto aos sulistas, eles diziam: "antes uma inglesa, que uma ianque". Pelo visto, na década de 30, ainda havia uma forte rixa entre o povo do norte e o do sul.

Há outras histórias interessantes nos bastidores, como a da escalação da Olivia de Havilland, que tinha um contrato com a Warner e Jack Warner não a liberaria para o filme a não ser que fosse para o papel de Scarlett. Ela ficou tão desesperada e louca para interpretar a doce Melanie Hamilton que recorreu à esposa de Jack Warner na esperança de que ela convencesse o marido a mudar de idéia. E ela acabou conseguindo. Clark Gable também era contratado da MGM e houve também um pouco de esforço para trazê-lo. O problema é que Selznick queria fazer uma produção totalmente independente da Metro, o que acabou não ocorrendo, já que tanto a mansão símbolo das produções de Selznick quanto o leão da Metro surgem no início do filme, segundos antes de ouvirmos a arrepiante música-tema do filme e o título "Gone with the Wind" passando em letras gigantescas pela tela.

Há tanto a se falar sobre os bastidores e a repercussão de E O VENTO LEVOU que isso daria um livro enorme. A edição comemorativa em dvd do filme vem com quatro discos: dois para o filme e dois para os extras. Entre os principais extras, temos um excelente documentário de mais de duas horas sobre a produção, um mini-documentário sobre o processo de restauração, e documentários sobre os principais astros do filme: Clark Gable, Vivien Leigh e Olivia de Havilland, os dois primeiros feitos como especiais para a tv. Já Olivia de Havilland, ainda viva e lúcida, conta ela mesma, e com entusiasmo e saudosismo, o seu ponto de vista. Ela chegou a dizer que nem queria que as filmagens acabassem e que aquele período foi o melhor de sua juventude. Já Vivien Leigh, como estava apaixonada por Laurence Olivier, estava louca para tirar umas férias das filmagens para ver o seu amado, que estava numa peça em Nova York. Os documentários que contam a vida e a obra de Gable e Vivien foram reveladores pra mim, contando muita coisa que eu não sabia sobre os dois astros e os aspectos trágicos de suas vidas.

Sobre o meu carinho pelo filme, só cresceu nessa terceira vez que o assisti. E talvez tenha até chorado mais dessa vez do que das anteriores. Acho que antes, eu só chorava na seqüência do parto de Melanie e da invasão dos soldados do norte à cidade de Atlanta, mostrada totalmente devastada com uma belíssima panorâmica que mostrava dezenas de soldados feridos ou mortos no campo de batalha. O ponto de vista dos perdedores, a bravura daqueles homens que se sacrificaram por seus ideais, é mostrado de maneira muito respeitadora, até porque a autora do livro é sulista também e muito do que ela escreveu sobre o passado de luxo das cidades do sul, adepta do escravismo, foi de histórias contadas por sua mãe e sua avó. Quanto aos negros mostrados no filme, por mais que eles apareçam como escravos, eles não são tratados de forma agressiva por seus senhores. A empregada gorda de Scarlett, por exemplo, é mostrada quase como uma segunda mãe para ela. Naquela época e naquele lugar, podia-se dizer que havia uma relação até amistosa entre os brancos e os negros, escravos.

O filme é repleto de momentos grandiosos e arrebatadores já conhecidos por várias gerações. A tentativa de Scarlett de recuperar o seu amado Ashley Wilkes (Leslie Howard), prestes a se casar com Melanie, o que já demonstra o seu temperamento forte; a notícia da morte dos soldados na guerra; a fuga de Atlanta; a chegada em Tara e ver a sua família passando por dificuldades. E isso é apenas a metade do filme. A outra metade, no segundo disco, ainda reserva muitas emoções, como a luta dela para sair da pobreza e, mais do que isso, ficar rica, não importando como; depois, o início do relacionamento dela com Rhett Butler e sua dificuldade de amá-lo, já que ela não conseguia tirar Ashley da cabeça, e as mortes trágicas de personagens queridos que tornam o filme o maior melodrama já feito. E pra encerrar, tem aquele final maravilhoso, com aquelas palavras célebres de Butler, ao sair de casa. Arrebatador é um adjetivo que se aplica bem a E O VENTO LEVOU, com todos os seus excessos, tanto no aspecto sentimental, quanto na metragem e na fotografia em technicolor, com suas cores lindas e fortes, valorizadas ainda mais nessa restauração. Enfim, é filme pra rever e se emocionar sempre.

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