terça-feira, setembro 04, 2007

ONDE COMEÇA O INFERNO (Rio Bravo)



Da primeira vez que assisti ONDE COMEÇA O INFERNO (1959), não curti muito. Tanto que passei um bom tempo sem ver outro filme de Howard Hawks. No entanto, com a leitura de "Afinal, Quem Faz os Filmes", seguida da apreciação de RIO VERMELHO (1948), eu comecei a tomar gosto pelos filmes do diretor, que hoje é um dos meus favoritos. Talvez RIO BRAVO - a partir de agora vou usar o título original, pois o nacional é bem ruim - seja um filme que se precise assistir tendo um pouco mais de familiaridade com o cinema de Hawks. Pelo menos foi essa a impressão que eu tive ao rever, dessa vez com ar de maravilhamento, essa obra-prima. John Carpenter fala num dos extras constantes do dvd que não é necessário ser um iniciado no cinema de Howard Hawks para gostar de RIO BRAVO, mas eu diria que conhecer outras obras de Hawks ajuda bastante para que a apreciação seja mais completa. Acredito que escolhi rever o filme na hora certa também, já que tive a oportunidade de pegar a edição especial lançada pela Warner, que conta com um delicioso documentário sobre Hawks, que traz cenas de alguns de seus melhores filmes, além de depoimentos do próprio diretor e de Peter Bogdanovich. Recebi um empurrãozinho na revisão, por ocasião do ranking especial dos anos 50, promovido pela Liga dos Blogues.

Em RIO BRAVO, o tempo e o lugar não são tão importantes. Nem a estória é importante. Aliás, de propósito, Hawks quis fazer RIO BRAVO sem uma estória bem definida. Trata-se de um filme de personagens. O diretor, ao ver o sucesso das séries de tv, e o quanto elas eram capazes de conquistar uma grande audiência graças à familiaridade que se cria com os personagens, resolveu fazer um filme meio que nos moldes de uma série de tv, com os seus três atos como se fossem três episódios. John Wayne aparece nesse filme, não como um sujeito amargo e consumido pelo ódio como mostrado em RASTROS DE ÓDIO, de John Ford. Wayne aparece como um sujeito adorável, um herói autenticamente hawksiano, com um grande coração, mas que deve permanecer duro e inabalável diante das dificuldades da vida. Em certo momento do filme, ao falar do amigo alcóolatra interpretado por Dean Martin, ele afirma que é necessário tratar as pessoas sensíveis com uma certa dureza, para que a pessoa não desabe de vez.

Em RIO BRAVO, Dean Martin é um sujeito que ficou dependente do álcool por causa de uma mulher. A separação foi traumática e Dude (o nome do personagem de Martin) nunca mais foi o mesmo. Sua primeira aparição no filme é de dar pena. Com uma camisa rasgada e aspecto cansado e sujo, ele chega ao ponto de pegar uma moeda jogada numa escarradeira por um sujeito que quer humilhá-lo. Porém, no momento em que ele vai pegar a moeda, ele é impedido pelo xerife (John Wayne), que não quer ver o amigo chegando ao fundo do poço e jogando para o ralo o que sobrou de sua dignidade. Nessa confusão, o xerife prende um perigoso bandido no saloon e o leva para a delegacia. Seu único ajudante é um velho manco (Walter Brennan, o velhinho banguela de RIO VERMELHO), mas logo ele contará com o auxílio do amigo alcóolatra e de um jovem rapaz (Rick Nelson, que na época era um famoso ator da tv). Completa o elenco principal, o interesse amoroso do xerife, vivido por uma jovem Angie Dickinson.

O filme ficou mais conhecido pelo seu terceiro ato, no qual um grupo de bandidos tenta de diversas maneiras resgatar o amigo da cadeia antes que ele seja transferido para outra cidade. Esse enredo foi repetido pelo próprio Hawks nos também ótimos EL DORADO (1967) e RIO LOBO (1970), bem como utilizado por John Carpenter nos seus ASSALTO À 13ª D.P. e FANTASMAS DE MARTE. Falando em Carpenter, curiosamente, na cena em que Wayne e Martin saem à noite à cata dos bandidos, nessa cena Hawks criou um suspense e um clima que lembram elementos de um filme de terror. Mas no geral, RIO BRAVO é uma celebração da amizade masculina, que tem entre os seus momentos mais belos a cena em que Dean Martin canta com Rick Nelson e Walter Brennan na delegacia. Essa seqüência é de uma beleza e uma ternura admiráveis. E, por mais que sejam ótimas as cenas de Wayne com Angie Dickinson, e as eletrizantes cenas de tiroteio, acho que se eu fosse escolher uma cena para eu me lembrar do filme seria essa a escolhida.

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